ANACLETO JOGA VESTIDOS NA FOGUEIRA
A História do Fumal, não pode ser contada sem mencionar as
localidades vizinhas por funcionar como epicentro dos acontecimentos. Ainda no
século XIX, quando o Riacho Barnabé, era ponto de referência dos caminhos
“antigos”, fato comprovados pelas ruínas lá existentes e os vestígios
encontrados como pedaços de louças, talheres e outros artefatos do cotidiano,
em vários pontos próximo a residência dos atuais moradores remanescentes de
Martinho e Joana, como também, em direção ao antigo “poço”, existem muitas
histórias interessantes.
Próximo ao cajueiro conhecido como da Maria Augusta, residia
uma família muito rígida com os filhos, a rigidez era fora dos limites e os
filhos por sua vez obedeciam aos pais em sinal de respeito ou mesmo pela
cultura de época. Dentre os filhos, existia uma por nome Maria, que se tornará
a personagem desta História.
O pai possuía um certo poder financeiro: terras secas e
terras molhadas, criação de bovinos, caprinos e animais domésticos. Praticava
agricultura o que lhe deixava num estágio “de mais ou menos equilibrado” para
sociedade da época.
O destino traça a vida das pessoas e sem menos perceber elas
se encontram e cumprem o que lhes foi determinado. Enquanto Maria morava no
Riacho Barnabé, mesmo sem possuir nenhum laço de parentesco com “Barnabé” e com
nenhum de seus remanescentes de linha direta ou indireta, se bandeou para o
“nego Anacleto”, nascido e criado no Fumal. Ela era filha de um morador da
localidade há bastante tempo com boa referência social e financeira onde
morava, em toda a circunvizinhança e na Vila de Valença.
Naquele período da História, o fator social contava muito,
gente d Riacho, não podia casar com gente do Fumal e se fosse negro, pior
ainda. Pelas informações fornecidas o fato ocorreu antes dos meados do século
XIX onde o preconceito era público e notório. O povo ainda não se definia com
as teorias aplicadas a origem do homem, se “criação ou evolução”, se era livre
ou se ainda era dependente. Uma coisa era certa, este mesmo povo vivia e
possuía desejos e particularidades.
Anacleto, morava no Fumal, não se tem notícias se já era
alforriado, sabe-se, portanto, que era dotado de bons procedimentos, uma conduta
fora de sério; trabalhador sem distinção de serviço, honesto, podia receber
“ouro em pó” que prestava cota de tudo direitinho. Mesmo com todos esses
atributos existia um divisor, não se enquadrava dentro do perfil dos escolhidos
para casar com a filha do “Senhor” do Riacho. Todavia quando o destino é
traçado ninguém pode fugir. Numa visita que Maria fez ao Fumal, o inesperado
aconteceu, Maria sentiu que Anacleto foi a pessoa que conseguiu mexer o seu
coração. Manteve-se calada, pois já sabia que seria fatal se seus pais pelo
menos em sonho soubesse do que se passava no seu imaginário.
O tempo passava, e Maria, sempre encontrava uma forma de ir
até o Fumal para ter oportunidade de ver Anacleto. O pretendente não
desconfiava das idas constantes de Maria até o Fumal, até ali não passava pela
sua cabeça o que estava acontecendo, mesmo assim “no túnel dos sonhos, via uma
luz, que ciceroneava o seu caminho rumo a chegar ao mundo desconhecido por tudo
e por todos”. Calado, guardava consigo apenas a utopia de uma história que
jamais poderia ser concretizada.
O pai de Maria, igual a águia romana, olhava por cima e via
que algo estava acontecendo, porém era impossível penetrar no âmago da filha,
apenas fazia que não estava acontecendo nada, mas por dentro, ficava morrendo
de raiva, não queira acreditar no que estava acontecendo. Mas fazer o quê? A
filha era quem estava “festejando” Anacleto.
Passou um ano, dois anos, e Anacleto, foi também se
engraçando de Maria, aos poucos vencia a timidez, por já perceber que a
recíproca era verdadeira. Mas evitava ir no Riacho por existir um obstáculo
psicológico, tal qual era um muro de cimento e cal, como o que fora construído
em Berlim na quase metade do século XX.
Anacleto se convencia de que não tinha condições de saltar um
muro social e econômico para conseguir realizar o sonho de se casar com Maria
do Riacho.
Naquela época, século XIX, e seu espaço era ainda muito
restrito, ou melhor não lhe dava espaço, pelo menos para um caso como este. As
notícias sobre as atrocidades com os negros eram constantes, todas revelando
castigos cruéis. Os viajantes que circulavam pelo Fumal davam conta que na
Fazenda Serra Negra, uma escrava por desobediência ao patrão fora serrada ao
meio, viva. Anacleto freava seu querer por receio de ter um fim semelhante ou
até pior que o da negra da Fazenda de Luiz Carlos.
Como no silêncio do coração, ninguém penetra, apenas quem
encontra motivos para sentir as chamas do amor mesmo sabendo que não era mais
platônico o sentimento que estavam vivendo, e sim uma realidade, nua e crua,
passaram ambos a arquitetar uma forma de concretizá-lo.
O pai de Maria, mesmo sem querer o relacionamento, ficava no
chamado “banho maria”, dando um tempo para ver se a filha desistia, mas o
destino empurrava um para o outro. Certo dia, Maria fez um convite a Anacleto
para uma visita a sua residência no Riacho.
Anacleto, mesmo tímido aceitou o convite, marcaram a data e o
quando o tão esperado dia chegou, saiu logo cedo do Fumal em direção a casa de
Maria e seus futuros sogros, no Riacho.
Ao chegar foi de imediato ao encontro de Maria que não se
continha de alegria, mesmo tentando disfarçar com um olhar distante já que a
cultura de época não permitia mais de que um cumprimento. Conversa só com o
pai, e como o pai mesmo sabendo das intenções dos dois, via com vista grossa,
evitou diálogo.
Maria e Anacleto trocaram algumas palavras. Ele era meio
“turudo”, a situação social era apenas uma consequência da vida e a vida
precisa ser vivida, na primeira oportunidade que o Senhor do Riacho deu, sem
titubear, Anacleto, pediu “a mão de Maria” em casamento. O pai de Maria, não
retrucou e cedeu, “mesmo se roendo por dentro”. Porque não era com Anacleto que
queria ver sua filha casar. Além do mais era costume de época os pais decidirem
com que os filhos se casariam, no Riacho e Fumal ocorreu a diferença.
O sim foi dado pelo pai, com conotação de não, o feliz era o
“já quase membro da família”, que pelo fato do sim meio reprovativo, já
respirava mais aliviado e logo tudo mudou, alguém já lhe olhava, primeiro pela
coragem, segundo por acreditar que os tempos já davam sinal de mudanças. Na
sala o clima era de suspense, euforia por parte de Anacleto, educação pela
outra parte, porém, apenas Maria e o noivo transbordavam de felicidade.
Em meio a conversa, quando o clima ainda pesado se amenizou
um pouco, Anacleto pediu licença e saiu um pouco para respirar. Nesse momento o
pai da agora noivo de Anacleto a chama e diz de forma bem áspera:
-Eu vou fazer teu
casamento, com este “nego”, mas é um casamento sem futuro, porque além de eu ir
dar “de comer” a tu que é minha filha, vou dar de comer a ele e aos neguinhos
que nascerem dele mas tu. Mas tu quer, eu vou fazer o casamento, seja o que
Deus quiser!
Anacleto, retorna da saída, e a futura esposa, não lhe conta
nada da conversa com o pai. No entanto, reza um velho adágio: “mato tem olho e
parede tem ouvido”, não foi muito tempo, lá no Fumal, Anacleto, soube da
“desfeita”, ficou chateado, mas controlou os nervos, pois o querer supera
barreiras, sentia mais uma vez que não era muro de concreto como o de Berlim no
século XX, mas ideológico como foi a famosa “Guerra Fria”, um século depois.
O constrangimento ficou interno, roendo e corroendo o ego. A
ferida se alastrava, mas com a força do trabalho, a esperança de um dia ser
livre, sufocou o temor e multiplicou o amor. Maria era sim sua grande pretensão
amorosa, uma vez que sua coragem, somada a beleza interior e exterior não se
resumia apenas no reluzir dos fios de suas madeixas cor de ouro ou mesmo nas
belas maçãs faciais que combinavam com os olhos verdes como pedras de
esmeraldas que ao flertar-lhe de imediato, escoava um líquido transparente e
puro como “Deus quer as almas”. Alencar que o perdoasse, mais sua formosura se
aproximava a da índia cearense, tão bem contada na Literatura. A diferença é
que Maria era do Riacho Barnabé, referência da estirpe valenciana nos idos dos
anos que se aproximavam dos meados do século XIX.
Maria, além das prendas domesticas aprendidas com mãe no ramo
da culinária, sabia bordar muito bem os mais diversos pontos da moda da época,
fazia renda de bilro, sabia fiar o algodão além de ser exímia costureira, tanto
que nas horas vagas era o que mais gostava de fazer, motivo pelo qual o pai,
foi até a vila de Valença comprar tecidos suficientes para Maria confeccionar
seu enxoval.
No cômputo geral, foram 18 vestidos confeccionados por Maria
para somar com os que já possuía em casa. O pai usava de cautela, comprava
tecidos e mais tecidos para a confecção de vestidos, sempre que se lembrava que
a filha ia ser esposa do “Nego Anacleto do Fumal” que podia lhe faltar quando
mais precisasse.
Marcado o dia do casamento, os rituais religiosos foram
cumpridos, os proclamas foram deferidos e apenas restava aos nubentes
comparecerem a vila de Valença para celebrarem na Igreja de Nossa Senhora do Ó,
hoje de São Benedito, o enlace matrimonial. Convém ressaltar que a Igreja de
Nossa Senhora do Ó pertencia a Irmandade religiosa de mesmo nome. Maria por ser
do Riacho Barnabé e filha de um senhor lá residente, já conhecia a Igreja, uma
vez por outra, acompanhava a família para assistir a missa e receber a
Eucaristia, ou mesmo em períodos alternados para visitar a lápide do Senhor
Barnabé, ancestral do lugar onde morava, que pertencia a Irmandade religiosa e
“cujo desejo de vida era ser sepultado na porta principal do templo sagrado,
para que todos pudessem passar por cima de sua cabeça, quando entrassem na
igreja. Embora como membro da irmandade pudesse ser em qualquer outro local do
templo, até mesmo do lado direito do Santíssimo, ainda que para isso precisasse
pagar uma taxa mais elevada, mas o certo é que vontade se tem em vida e desejo
de morto se cumpre.
Com a data de 1840 que existe ainda hoje no frontal da Igreja
segundo o Pe. Gilberto Freitas, é referência da reforma que ela sofreu quando
da mudança da frente do lado da “Casa Grande” para o lado da estrada, indica
que o Sr. Barnabé do Riacho, não realizou por muito tempo seu sonho.
A saída de Anacleto do Fumal com destino a vila de Valença,
foi acompanhada por pouquíssimas pessoas, mesmo assim, fora conduzido pelo
“cargueiro”, com malas de couro sobre o lombo de jumento, para se alimentarem
no trajeto de ida e volta.
Nas malas de couro, tinha um pouco de cada cosa, o necessário
apenas para o grupo que lhe acompanhava para o casamento, mesmo assim podem ser
elencados: frutos silvestres, típicos da região, frito de carne de porco,
rapadura e outros acessórios necessários para uma viagem de casamento. Continha
também numa das malas, as roupas e os calçados do noivo e de seus acompanhantes
mais próximos.
O caminho parecia longo, nunca tinha sido tão distante o
espaço entre o Fumal e a vila de Valença. Cabisbaixo, seguia em passos largos o
noivo, quando alguém lhe dirigia a palavra, optava pelas formas monossílabas,
estando tenso, ia ao encontro de Maria para celebrar o matrimônio.
Quando chegaram no Baixão do Sobrado, esboçou o primeiro
sorriso, acompanhado de um suspiro bastante longo, no mesmo instante que
solicitou do “cargueiro” um gole de água para refrescar a garganta. O
“cargueiro” atendeu seu pedido, retirou a cabaça de água do arção da gangalha
do jumento condutor, despejou no caneco de couro e entregou a Anacleto, que
bebeu com uma ansiedade tão grande que quase se engasgou.
Os companheiros de viagem não ousaram fazer nenhum comentário
sobre a cena, foram sensíveis ao que estava acontecendo com o futuro esposo de
Maria do Riacho.
A viagem prosseguia, a mutucas incomodavam, fazendo com que
os companheiros e movessem com tapas certeiros para eliminá-las. Ao noivo,
porém, nada incomodava, nem as picadas dos insetos, o que ele queria mesmo era
chegar na vila de Valença para celebração do casamento.
Outro momento importante da viagem, foi a chegada no Olho
D’água, onde estão as nascentes do Rio Catinguinha, parada obrigatória do povo
do Fumal, quando vinham para sede da vila. Além de descansarem, tomavam banho,
trocavam de roupa, se alimentavam e seguiam para o perímetro urbano da vila.
Neste dia o foco era a Igreja da Irmandade de Nossa Senhora do Ó.
A noiva, a estas alturas já estava arrumada na casa de algum
parente ou mesmo amigo da família, esperando apenas a hora marcada pelo vigário
para comparecer a Igreja. Enquanto Anacleto, como não tinha para onde ir na
vila, e a igreja não era tão distante, já saiu arrumado, pronto para o
casamento, logo do Olho D’água.
Era costume de época, os nubentes no dia do casamento se
ornamentarem com joias e artefatos de ouro para dar sorte, especificamente os
do Riacho Barnabé, que mantinham este ritual desde o tempo do velho Salvador,
um dos mais antigos proprietários da comunidade. Por lá corria a história da
corrente de ouro maciço de 2 metros de comprimento, peça indispensável pelos
nubentes no dia do casamento. Neste dia, nem com isso Anacleto pode contar,
Maria como nativa do Riacho foi quem conduziu o artefato de ouro como
ornamento.
Anacleto compareceu ao templo ornamentado apenas com a força
de vontade e a determinação de se tornar esposo de Maria e cumprir com as
responsabilidades que um senhor casado deve honrar.
O momento havia chegado, o ritual do casamento foi seguido
assistido e abençoado pelo padre da época e Anacleto mesmo sem entender uma só
palavra de latim proferido pelo vigário, uniu-se ao coro e respondeu “Amém”.
É interessante notar que era comum na região do Fumal e
circunvizinhança, quando ocorria os casamentos a noiva retornar par a casa dos
pais, onde ocorria uma festa para amigos e convidados e o noivo, também ir para
casa dos pais onde também ocorria a confraternização com parentes amigos e
convivas. Com oito dias depois era que o pai da noiva ia deixar a filha na casa
do noivo, ocorria nova festa pela entrega e se já possuírem casa iam viver
juntos a partir daquele dia.
Ocorreu dessa forma, porque Maria e Anacleto planejaram antes
de casarem. Ela ia para o Riacho e Anacleto para o Fumal. Logo que saíram da
igreja o casal de noivos apenas se entreolharam, seguiram o caminho, passando
pela hoje Praça Pereira Caldas, em direção ao Olho D’água, passando por trás das
casas do Barro Vermelho onde por muito tempo, morou Rafael, filho de Manoel
Conrado e Luiza Caburé. Chegando novamente nas nascentes do Rio Catinguinha,
faziam o mesmo ritual, banhavam, trocavam de roupa...O “cargueiro” recolhia,
colocava nas malas de couro, roupas e calçados de festa, se alimentavam
novamente e cada um seguia seu destino, uma vez que logo, logo, os caminhos se
bifurcavam, um seguia para o Fumal e o outro para o Riacho.
Convém ressaltar que a parada obrigatória do Olho D’água,
funcionava também em outras ocasiões, até hoje ainda existe a “pedra do
descanso”, ao lado das nascentes do rio, local que servia de base para colocar
“os panos” de frito, as carnes secas assadas na brasa, rapaduras, bolos ou
similares durante as viagens para a vila de Valença. No dia do casamento de
Maria com Anacleto, não foi diferente. Convém ressaltar que a pedra do
descanso, do Olho D’água, é também conhecida como pedra do defunto, porque era
lá que se colocavam a rede ou o caixão de tábua com o defunto dentro quando
vinham fazer os enterramentos na vila de Valença, fosse na Igreja da irmandade
ou no campo santo. O certo é que, dependendo da ocasião, a pedra tinha sua
“serventia”.
O fato do casal ter tomado direção diferente, não possuía uma
conotação de separação, já haviam combinado tudo. Não seria o fato do casal ser
formado pela moça do Riacho e o Rapaz do Fumal estarem na vanguarda de
casamento? O que está existindo hoje, será apenas uma continuação? (quem
explica?) Não sei! Lá foi assim!
Passado os oitos dias na casa do pai, chegou a hora da noiva
ser conduzida até o Fumal onde estava o noivo. Porém, ainda no Riacho, o pai
aproveita a ausência de Anacleto e alfineta novamente:
-Leva a mala de roupa e os 18 vestidos, porque lá, tu só vai
vestir mulambo! Do pior pano do mundo, porque “nêgo não tem prestígio”. Então
leva pelo menos os que possui.
Ouvindo isso, Maria fica cabisbaixa, resmunga de uma forma
tão sutil, que nem mesmo ela seria capaz de repetir caso o pai pedisse, em tom
de reprovação.
O ritual de despedida transcorreu em clima de suspense. A
moça que deixava a família no Riacho, monta no cavalo e segue o caminho,
acompanhada pelo pai e os criados que conduziam seus pertences: baús, malas, e
outros artefatos de uso cotidiano para a nova moradia. Chegando no Fumal,
Anacleto, dá as boas-vindas, cumprimenta o sogro que mantinha uma expressão
facial fechada para demonstrar que estava fazendo tudo aquilo pelo amor a filha
e que não tinha razão nenhuma para demostrar alegria pelo que estava
acontecendo. Maria, vai ao encontro do esposo e se abraça com ele.
Os dois rodopiam como se estivessem ao som de uma valsa
vienense. O pai, torce o rosto, sem querer deixar transparecer o estado de
nervo em que se encontrava, manteve-se como pai e cavalheiro, afinal de contas
Maria era a filha que tanto estimava.
Enquanto isso, o “cargueiro” coordenava a retirada dos bens
materiais que Maria havia trazido para sua nova casa, dentre os quais a mala
contendo os 18 vestidos novos.
Anacleto, observava tudo, não tocava em nada, porém na hora
da mala, ele acena para Maria, dando sinal que ia receber. Maria obedece e para
sua surpresa e dos demais presentes, Anacleto, arremessa a mala numa fogueira
que ardia em chamas ao lado da casa.
A fúria foi ocasionada, pela colocação feita pelo sogro
quando presenteou a filha com os 18 vestidos dizendo que no Fumal só iria
vestir mulambo, porque o marido não podia comprar tecidos de melhor qualidade.
Existiam informantes, em cada fazenda, “...as câmeras da
ruindade eram ligadas diuturnamente, e mais uma vez se confirma o adágio
popular “mato tem olho e parede tem ouvidos”, nada se passava sem que alguém
não pudesse ver ou ouvir e secretamente fazer com que chegasse ao destinatário.
Anacleto, viveu com Maria, o seu amor verdadeiro e mesmo nas
limitações socioeconômicas e culturais, adequava-se a vida e se esforçava para
nada faltar a sua querida esposa. Em momento algum proibiu Maria de visitar os
pais e familiares no Riacho, embora, por capricho, ele mesmo carregasse o
entusiasmo de nunca cruzar os pés na casa do sogro.
Os pais de Maria, eram mais complacentes, uma vez por outra
visitavam a filha e não foi muito tempo para o pai descobrir que as pessoas são
medidas pela conduta e procedimentos e nunca pela concentração de melanina no
corpo. Anacleto era “escuro por fora”, mas era ouro por dentro”.
Observando isso, o pai de Maria, vendeu tudo que ela tinha
deixado, o que deu uma cifra bastante elevada para economia de época, foi
deixar o dinheiro arrecadado a filha no Fumal. Anacleto, resmungou, mas não
externou nada de negativo pela atitude do sogro, apenas ignorou o fato, não
aceitou movimentar o dinheiro da esposa, temendo um dia ser jogado na cara.
Portanto, evitou passar por tal constrangimento. Maria, por sua vez, entendeu,
movimentou a fortuna como pode aplicando apenas no essencialmente necessário,
inclusive aplicando na educação das filhas na vila de Valença, numa “casa de
ensinar gente” próximo ao Rio Catinguinha.
Do enlace matrimonial de Anacleto com Maria, nasceram:
Saturnina da Encarnação Silva, Modesta da Encarnação Silva e Felicidade da
Encarnação Silva. Constituída a família, Maria e Anacleto viveram felizes. As
filhas, seguiram caminhos diferentes. Cada uma, cumpriu o destino que lhe foi
determinado por Deus. Receberam conhecimento letrado na vila de Valença
aprendendo o suficiente para serem referência por onde passassem. Modesta,
rumou para as Matas de São Pedro, lá foi mediadora de saber junto ao povo que
lhe acolheu. Felicidade, foi para o vizinho estado do Maranhão, também prestou serviço
a comunidade repassando o saber adquirido “na casa de seus pais e parentes ou
mesmo na chamada casa de ensinar gente as margens do Rio Catinguinha em
Valença. Saturnina, ficou com os pais no Fumal, e também prestou muito serviço
a comunidade, inclusive lendo cartas, muitas provenientes até mesmo da vila de
Valença. Saturnina casou com Ângelo José da Silva e tiveram os seguintes
filhos: Leôncio José da Silva, Ângelo José da Silva e Maria. Ambos se criaram
no Fumal e se tornaram exemplo de vida para muitos que apáticos a tudo e a
todos se deixam levar pelas coisas supérfluas da vida.
Leôncio, tudo que adquiriu, foi trabalhando, mas não deixou
as origens do Fumal. Casou-se 4 vezes e constituiu sua família. Até hoje
existem remanescentes dando continuidade ao legado deixado por Leôncio.
Em 1928, Ângelo José da Silva, migra para o estado do
Maranhão, levando consigo as experiências de vida que adquiriu no Fumal e com
um animal conduzindo uma carga de fumo de corda para ser vendido por lá. Com as
cifras adquiridas iniciou uma nova vida. Lá, conseguiu boas amizades inclusive
os conhecimentos de leitura repassados por sua mãe (Saturnina). Tornou-se
funcionário Público Federal e quando já estava financeiramente estruturado,
casou com uma Sra. por nome Lídia, que várias vezes visitou seus familiares no
Fumal.
Anacleto e Maria escreveram sua história na comunidade Fumal,
tornaram-se exemplo de vida, que para contar não é fácil. A história, precisa
recorrer da Literatura para juntas unir o real e o imaginário dentro do recorte
histórico.
No entanto a história de Anacleto não para por aqui, é comum
no meio do nosso povo os pedidos do pós-morte, exigindo onde e como quer descer
para mansão dos mortos. Anacleto pediu em vida que quando morresse queria ser
sepultado debaixo do pé de “podóia” que existia próximo ao cruzamento de uma
das estradas antigas. Seu pedido foi feito e até hoje a arvore existe para ser
testemunha da História. Convém dizer que Anacleto foi a primeira pessoa a ser
sepultada naquele espaço, hoje cemitério do Fumal, muito embora existam outras
referências na comunidade de povos mais antigos.
Com o passar dos tempos, para eternizar o nome de Anacleto, o
seu neto Leôncio José da Silva, no segundo casamento, põe o nome de seu último
filho com Joana, de Anacleto, cujos cuidados foram encarregados a sua comadre e
também parenta Maria Romana, mãe da dona Virgília, e avó da Antônia Macedo,
Agente de Saúde. O certo é que Anacleto, ficou com a família que o adotou até
os 16 anos, quando resolveu viajar em busca de trabalho e nunca mais voltou e
nem dá notícias. Ninguém sabe se ele está vivo ou morto. “Deus é quem sabe”.
Assim podemos sentir que a Historia existe, basta encontrar
tempo e paciência para escrever. Tudo acontece, mas nem toda hora alguém está
próximo para relatar.
TEXTO: Profª Suênia Marla de Gênesis
Livro:
Aconteceu não vi, mas me contaram assim.
– (2010: p 46/60 ) – Fundac - Micro projeto Cultura – Funart – Banco do
Nordeste – Ministerio da Cultura(Brasil um país de todas).
Ótimo texto. Parabéns!
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