domingo, 28 de fevereiro de 2021

 

                                            ANACLETO JOGA VESTIDOS NA FOGUEIRA

A História do Fumal, não pode ser contada sem mencionar as localidades vizinhas por funcionar como epicentro dos acontecimentos. Ainda no século XIX, quando o Riacho Barnabé, era ponto de referência dos caminhos “antigos”, fato comprovados pelas ruínas lá existentes e os vestígios encontrados como pedaços de louças, talheres e outros artefatos do cotidiano, em vários pontos próximo a residência dos atuais moradores remanescentes de Martinho e Joana, como também, em direção ao antigo “poço”, existem muitas histórias interessantes.

Próximo ao cajueiro conhecido como da Maria Augusta, residia uma família muito rígida com os filhos, a rigidez era fora dos limites e os filhos por sua vez obedeciam aos pais em sinal de respeito ou mesmo pela cultura de época. Dentre os filhos, existia uma por nome Maria, que se tornará a personagem desta História.

O pai possuía um certo poder financeiro: terras secas e terras molhadas, criação de bovinos, caprinos e animais domésticos. Praticava agricultura o que lhe deixava num estágio “de mais ou menos equilibrado” para sociedade da época.

O destino traça a vida das pessoas e sem menos perceber elas se encontram e cumprem o que lhes foi determinado. Enquanto Maria morava no Riacho Barnabé, mesmo sem possuir nenhum laço de parentesco com “Barnabé” e com nenhum de seus remanescentes de linha direta ou indireta, se bandeou para o “nego Anacleto”, nascido e criado no Fumal. Ela era filha de um morador da localidade há bastante tempo com boa referência social e financeira onde morava, em toda a circunvizinhança e na Vila de Valença.

Naquele período da História, o fator social contava muito, gente d Riacho, não podia casar com gente do Fumal e se fosse negro, pior ainda. Pelas informações fornecidas o fato ocorreu antes dos meados do século XIX onde o preconceito era público e notório. O povo ainda não se definia com as teorias aplicadas a origem do homem, se “criação ou evolução”, se era livre ou se ainda era dependente. Uma coisa era certa, este mesmo povo vivia e possuía desejos e particularidades.

Anacleto, morava no Fumal, não se tem notícias se já era alforriado, sabe-se, portanto, que era dotado de bons procedimentos, uma conduta fora de sério; trabalhador sem distinção de serviço, honesto, podia receber “ouro em pó” que prestava cota de tudo direitinho. Mesmo com todos esses atributos existia um divisor, não se enquadrava dentro do perfil dos escolhidos para casar com a filha do “Senhor” do Riacho. Todavia quando o destino é traçado ninguém pode fugir. Numa visita que Maria fez ao Fumal, o inesperado aconteceu, Maria sentiu que Anacleto foi a pessoa que conseguiu mexer o seu coração. Manteve-se calada, pois já sabia que seria fatal se seus pais pelo menos em sonho soubesse do que se passava no seu imaginário.

O tempo passava, e Maria, sempre encontrava uma forma de ir até o Fumal para ter oportunidade de ver Anacleto. O pretendente não desconfiava das idas constantes de Maria até o Fumal, até ali não passava pela sua cabeça o que estava acontecendo, mesmo assim “no túnel dos sonhos, via uma luz, que ciceroneava o seu caminho rumo a chegar ao mundo desconhecido por tudo e por todos”. Calado, guardava consigo apenas a utopia de uma história que jamais poderia ser concretizada.

O pai de Maria, igual a águia romana, olhava por cima e via que algo estava acontecendo, porém era impossível penetrar no âmago da filha, apenas fazia que não estava acontecendo nada, mas por dentro, ficava morrendo de raiva, não queira acreditar no que estava acontecendo. Mas fazer o quê? A filha era quem estava “festejando” Anacleto.

Passou um ano, dois anos, e Anacleto, foi também se engraçando de Maria, aos poucos vencia a timidez, por já perceber que a recíproca era verdadeira. Mas evitava ir no Riacho por existir um obstáculo psicológico, tal qual era um muro de cimento e cal, como o que fora construído em Berlim na quase metade do século XX.

Anacleto se convencia de que não tinha condições de saltar um muro social e econômico para conseguir realizar o sonho de se casar com Maria do Riacho.

Naquela época, século XIX, e seu espaço era ainda muito restrito, ou melhor não lhe dava espaço, pelo menos para um caso como este. As notícias sobre as atrocidades com os negros eram constantes, todas revelando castigos cruéis. Os viajantes que circulavam pelo Fumal davam conta que na Fazenda Serra Negra, uma escrava por desobediência ao patrão fora serrada ao meio, viva. Anacleto freava seu querer por receio de ter um fim semelhante ou até pior que o da negra da Fazenda de Luiz Carlos.

Como no silêncio do coração, ninguém penetra, apenas quem encontra motivos para sentir as chamas do amor mesmo sabendo que não era mais platônico o sentimento que estavam vivendo, e sim uma realidade, nua e crua, passaram ambos a arquitetar uma forma de concretizá-lo.

O pai de Maria, mesmo sem querer o relacionamento, ficava no chamado “banho maria”, dando um tempo para ver se a filha desistia, mas o destino empurrava um para o outro. Certo dia, Maria fez um convite a Anacleto para uma visita a sua residência no Riacho.

Anacleto, mesmo tímido aceitou o convite, marcaram a data e o quando o tão esperado dia chegou, saiu logo cedo do Fumal em direção a casa de Maria e seus futuros sogros, no Riacho.

Ao chegar foi de imediato ao encontro de Maria que não se continha de alegria, mesmo tentando disfarçar com um olhar distante já que a cultura de época não permitia mais de que um cumprimento. Conversa só com o pai, e como o pai mesmo sabendo das intenções dos dois, via com vista grossa, evitou diálogo.

Maria e Anacleto trocaram algumas palavras. Ele era meio “turudo”, a situação social era apenas uma consequência da vida e a vida precisa ser vivida, na primeira oportunidade que o Senhor do Riacho deu, sem titubear, Anacleto, pediu “a mão de Maria” em casamento. O pai de Maria, não retrucou e cedeu, “mesmo se roendo por dentro”. Porque não era com Anacleto que queria ver sua filha casar. Além do mais era costume de época os pais decidirem com que os filhos se casariam, no Riacho e Fumal ocorreu a diferença.

O sim foi dado pelo pai, com conotação de não, o feliz era o “já quase membro da família”, que pelo fato do sim meio reprovativo, já respirava mais aliviado e logo tudo mudou, alguém já lhe olhava, primeiro pela coragem, segundo por acreditar que os tempos já davam sinal de mudanças. Na sala o clima era de suspense, euforia por parte de Anacleto, educação pela outra parte, porém, apenas Maria e o noivo transbordavam de felicidade.

Em meio a conversa, quando o clima ainda pesado se amenizou um pouco, Anacleto pediu licença e saiu um pouco para respirar. Nesse momento o pai da agora noivo de Anacleto a chama e diz de forma bem áspera:

 -Eu vou fazer teu casamento, com este “nego”, mas é um casamento sem futuro, porque além de eu ir dar “de comer” a tu que é minha filha, vou dar de comer a ele e aos neguinhos que nascerem dele mas tu. Mas tu quer, eu vou fazer o casamento, seja o que Deus quiser!

Anacleto, retorna da saída, e a futura esposa, não lhe conta nada da conversa com o pai. No entanto, reza um velho adágio: “mato tem olho e parede tem ouvido”, não foi muito tempo, lá no Fumal, Anacleto, soube da “desfeita”, ficou chateado, mas controlou os nervos, pois o querer supera barreiras, sentia mais uma vez que não era muro de concreto como o de Berlim no século XX, mas ideológico como foi a famosa “Guerra Fria”, um século depois.

O constrangimento ficou interno, roendo e corroendo o ego. A ferida se alastrava, mas com a força do trabalho, a esperança de um dia ser livre, sufocou o temor e multiplicou o amor. Maria era sim sua grande pretensão amorosa, uma vez que sua coragem, somada a beleza interior e exterior não se resumia apenas no reluzir dos fios de suas madeixas cor de ouro ou mesmo nas belas maçãs faciais que combinavam com os olhos verdes como pedras de esmeraldas que ao flertar-lhe de imediato, escoava um líquido transparente e puro como “Deus quer as almas”. Alencar que o perdoasse, mais sua formosura se aproximava a da índia cearense, tão bem contada na Literatura. A diferença é que Maria era do Riacho Barnabé, referência da estirpe valenciana nos idos dos anos que se aproximavam dos meados do século XIX.

Maria, além das prendas domesticas aprendidas com mãe no ramo da culinária, sabia bordar muito bem os mais diversos pontos da moda da época, fazia renda de bilro, sabia fiar o algodão além de ser exímia costureira, tanto que nas horas vagas era o que mais gostava de fazer, motivo pelo qual o pai, foi até a vila de Valença comprar tecidos suficientes para Maria confeccionar seu enxoval.

No cômputo geral, foram 18 vestidos confeccionados por Maria para somar com os que já possuía em casa. O pai usava de cautela, comprava tecidos e mais tecidos para a confecção de vestidos, sempre que se lembrava que a filha ia ser esposa do “Nego Anacleto do Fumal” que podia lhe faltar quando mais precisasse.

Marcado o dia do casamento, os rituais religiosos foram cumpridos, os proclamas foram deferidos e apenas restava aos nubentes comparecerem a vila de Valença para celebrarem na Igreja de Nossa Senhora do Ó, hoje de São Benedito, o enlace matrimonial. Convém ressaltar que a Igreja de Nossa Senhora do Ó pertencia a Irmandade religiosa de mesmo nome. Maria por ser do Riacho Barnabé e filha de um senhor lá residente, já conhecia a Igreja, uma vez por outra, acompanhava a família para assistir a missa e receber a Eucaristia, ou mesmo em períodos alternados para visitar a lápide do Senhor Barnabé, ancestral do lugar onde morava, que pertencia a Irmandade religiosa e “cujo desejo de vida era ser sepultado na porta principal do templo sagrado, para que todos pudessem passar por cima de sua cabeça, quando entrassem na igreja. Embora como membro da irmandade pudesse ser em qualquer outro local do templo, até mesmo do lado direito do Santíssimo, ainda que para isso precisasse pagar uma taxa mais elevada, mas o certo é que vontade se tem em vida e desejo de morto se cumpre.

Com a data de 1840 que existe ainda hoje no frontal da Igreja segundo o Pe. Gilberto Freitas, é referência da reforma que ela sofreu quando da mudança da frente do lado da “Casa Grande” para o lado da estrada, indica que o Sr. Barnabé do Riacho, não realizou por muito tempo seu sonho.

A saída de Anacleto do Fumal com destino a vila de Valença, foi acompanhada por pouquíssimas pessoas, mesmo assim, fora conduzido pelo “cargueiro”, com malas de couro sobre o lombo de jumento, para se alimentarem no trajeto de ida e volta.

Nas malas de couro, tinha um pouco de cada cosa, o necessário apenas para o grupo que lhe acompanhava para o casamento, mesmo assim podem ser elencados: frutos silvestres, típicos da região, frito de carne de porco, rapadura e outros acessórios necessários para uma viagem de casamento. Continha também numa das malas, as roupas e os calçados do noivo e de seus acompanhantes mais próximos.

O caminho parecia longo, nunca tinha sido tão distante o espaço entre o Fumal e a vila de Valença. Cabisbaixo, seguia em passos largos o noivo, quando alguém lhe dirigia a palavra, optava pelas formas monossílabas, estando tenso, ia ao encontro de Maria para celebrar o matrimônio.

Quando chegaram no Baixão do Sobrado, esboçou o primeiro sorriso, acompanhado de um suspiro bastante longo, no mesmo instante que solicitou do “cargueiro” um gole de água para refrescar a garganta. O “cargueiro” atendeu seu pedido, retirou a cabaça de água do arção da gangalha do jumento condutor, despejou no caneco de couro e entregou a Anacleto, que bebeu com uma ansiedade tão grande que quase se engasgou.

Os companheiros de viagem não ousaram fazer nenhum comentário sobre a cena, foram sensíveis ao que estava acontecendo com o futuro esposo de Maria do Riacho.

A viagem prosseguia, a mutucas incomodavam, fazendo com que os companheiros e movessem com tapas certeiros para eliminá-las. Ao noivo, porém, nada incomodava, nem as picadas dos insetos, o que ele queria mesmo era chegar na vila de Valença para celebração do casamento.

Outro momento importante da viagem, foi a chegada no Olho D’água, onde estão as nascentes do Rio Catinguinha, parada obrigatória do povo do Fumal, quando vinham para sede da vila. Além de descansarem, tomavam banho, trocavam de roupa, se alimentavam e seguiam para o perímetro urbano da vila. Neste dia o foco era a Igreja da Irmandade de Nossa Senhora do Ó.

A noiva, a estas alturas já estava arrumada na casa de algum parente ou mesmo amigo da família, esperando apenas a hora marcada pelo vigário para comparecer a Igreja. Enquanto Anacleto, como não tinha para onde ir na vila, e a igreja não era tão distante, já saiu arrumado, pronto para o casamento, logo do Olho D’água.

Era costume de época, os nubentes no dia do casamento se ornamentarem com joias e artefatos de ouro para dar sorte, especificamente os do Riacho Barnabé, que mantinham este ritual desde o tempo do velho Salvador, um dos mais antigos proprietários da comunidade. Por lá corria a história da corrente de ouro maciço de 2 metros de comprimento, peça indispensável pelos nubentes no dia do casamento. Neste dia, nem com isso Anacleto pode contar, Maria como nativa do Riacho foi quem conduziu o artefato de ouro como ornamento.

Anacleto compareceu ao templo ornamentado apenas com a força de vontade e a determinação de se tornar esposo de Maria e cumprir com as responsabilidades que um senhor casado deve honrar.

O momento havia chegado, o ritual do casamento foi seguido assistido e abençoado pelo padre da época e Anacleto mesmo sem entender uma só palavra de latim proferido pelo vigário, uniu-se ao coro e respondeu “Amém”.

É interessante notar que era comum na região do Fumal e circunvizinhança, quando ocorria os casamentos a noiva retornar par a casa dos pais, onde ocorria uma festa para amigos e convidados e o noivo, também ir para casa dos pais onde também ocorria a confraternização com parentes amigos e convivas. Com oito dias depois era que o pai da noiva ia deixar a filha na casa do noivo, ocorria nova festa pela entrega e se já possuírem casa iam viver juntos a partir daquele dia.

Ocorreu dessa forma, porque Maria e Anacleto planejaram antes de casarem. Ela ia para o Riacho e Anacleto para o Fumal. Logo que saíram da igreja o casal de noivos apenas se entreolharam, seguiram o caminho, passando pela hoje Praça Pereira Caldas, em direção ao Olho D’água, passando por trás das casas do Barro Vermelho onde por muito tempo, morou Rafael, filho de Manoel Conrado e Luiza Caburé. Chegando novamente nas nascentes do Rio Catinguinha, faziam o mesmo ritual, banhavam, trocavam de roupa...O “cargueiro” recolhia, colocava nas malas de couro, roupas e calçados de festa, se alimentavam novamente e cada um seguia seu destino, uma vez que logo, logo, os caminhos se bifurcavam, um seguia para o Fumal e o outro para o Riacho.

Convém ressaltar que a parada obrigatória do Olho D’água, funcionava também em outras ocasiões, até hoje ainda existe a “pedra do descanso”, ao lado das nascentes do rio, local que servia de base para colocar “os panos” de frito, as carnes secas assadas na brasa, rapaduras, bolos ou similares durante as viagens para a vila de Valença. No dia do casamento de Maria com Anacleto, não foi diferente. Convém ressaltar que a pedra do descanso, do Olho D’água, é também conhecida como pedra do defunto, porque era lá que se colocavam a rede ou o caixão de tábua com o defunto dentro quando vinham fazer os enterramentos na vila de Valença, fosse na Igreja da irmandade ou no campo santo. O certo é que, dependendo da ocasião, a pedra tinha sua “serventia”.

O fato do casal ter tomado direção diferente, não possuía uma conotação de separação, já haviam combinado tudo. Não seria o fato do casal ser formado pela moça do Riacho e o Rapaz do Fumal estarem na vanguarda de casamento? O que está existindo hoje, será apenas uma continuação? (quem explica?) Não sei! Lá foi assim!

Passado os oitos dias na casa do pai, chegou a hora da noiva ser conduzida até o Fumal onde estava o noivo. Porém, ainda no Riacho, o pai aproveita a ausência de Anacleto e alfineta novamente:

-Leva a mala de roupa e os 18 vestidos, porque lá, tu só vai vestir mulambo! Do pior pano do mundo, porque “nêgo não tem prestígio”. Então leva pelo menos os que possui.

Ouvindo isso, Maria fica cabisbaixa, resmunga de uma forma tão sutil, que nem mesmo ela seria capaz de repetir caso o pai pedisse, em tom de reprovação.

O ritual de despedida transcorreu em clima de suspense. A moça que deixava a família no Riacho, monta no cavalo e segue o caminho, acompanhada pelo pai e os criados que conduziam seus pertences: baús, malas, e outros artefatos de uso cotidiano para a nova moradia. Chegando no Fumal, Anacleto, dá as boas-vindas, cumprimenta o sogro que mantinha uma expressão facial fechada para demonstrar que estava fazendo tudo aquilo pelo amor a filha e que não tinha razão nenhuma para demostrar alegria pelo que estava acontecendo. Maria, vai ao encontro do esposo e se abraça com ele.

Os dois rodopiam como se estivessem ao som de uma valsa vienense. O pai, torce o rosto, sem querer deixar transparecer o estado de nervo em que se encontrava, manteve-se como pai e cavalheiro, afinal de contas Maria era a filha que tanto estimava.

Enquanto isso, o “cargueiro” coordenava a retirada dos bens materiais que Maria havia trazido para sua nova casa, dentre os quais a mala contendo os 18 vestidos novos.

Anacleto, observava tudo, não tocava em nada, porém na hora da mala, ele acena para Maria, dando sinal que ia receber. Maria obedece e para sua surpresa e dos demais presentes, Anacleto, arremessa a mala numa fogueira que ardia em chamas ao lado da casa.

A fúria foi ocasionada, pela colocação feita pelo sogro quando presenteou a filha com os 18 vestidos dizendo que no Fumal só iria vestir mulambo, porque o marido não podia comprar tecidos de melhor qualidade.

Existiam informantes, em cada fazenda, “...as câmeras da ruindade eram ligadas diuturnamente, e mais uma vez se confirma o adágio popular “mato tem olho e parede tem ouvidos”, nada se passava sem que alguém não pudesse ver ou ouvir e secretamente fazer com que chegasse ao destinatário.

Anacleto, viveu com Maria, o seu amor verdadeiro e mesmo nas limitações socioeconômicas e culturais, adequava-se a vida e se esforçava para nada faltar a sua querida esposa. Em momento algum proibiu Maria de visitar os pais e familiares no Riacho, embora, por capricho, ele mesmo carregasse o entusiasmo de nunca cruzar os pés na casa do sogro.

Os pais de Maria, eram mais complacentes, uma vez por outra visitavam a filha e não foi muito tempo para o pai descobrir que as pessoas são medidas pela conduta e procedimentos e nunca pela concentração de melanina no corpo. Anacleto era “escuro por fora”, mas era ouro por dentro”.

Observando isso, o pai de Maria, vendeu tudo que ela tinha deixado, o que deu uma cifra bastante elevada para economia de época, foi deixar o dinheiro arrecadado a filha no Fumal. Anacleto, resmungou, mas não externou nada de negativo pela atitude do sogro, apenas ignorou o fato, não aceitou movimentar o dinheiro da esposa, temendo um dia ser jogado na cara. Portanto, evitou passar por tal constrangimento. Maria, por sua vez, entendeu, movimentou a fortuna como pode aplicando apenas no essencialmente necessário, inclusive aplicando na educação das filhas na vila de Valença, numa “casa de ensinar gente” próximo ao Rio Catinguinha.

Do enlace matrimonial de Anacleto com Maria, nasceram: Saturnina da Encarnação Silva, Modesta da Encarnação Silva e Felicidade da Encarnação Silva. Constituída a família, Maria e Anacleto viveram felizes. As filhas, seguiram caminhos diferentes. Cada uma, cumpriu o destino que lhe foi determinado por Deus. Receberam conhecimento letrado na vila de Valença aprendendo o suficiente para serem referência por onde passassem. Modesta, rumou para as Matas de São Pedro, lá foi mediadora de saber junto ao povo que lhe acolheu. Felicidade, foi para o vizinho estado do Maranhão, também prestou serviço a comunidade repassando o saber adquirido “na casa de seus pais e parentes ou mesmo na chamada casa de ensinar gente as margens do Rio Catinguinha em Valença. Saturnina, ficou com os pais no Fumal, e também prestou muito serviço a comunidade, inclusive lendo cartas, muitas provenientes até mesmo da vila de Valença. Saturnina casou com Ângelo José da Silva e tiveram os seguintes filhos: Leôncio José da Silva, Ângelo José da Silva e Maria. Ambos se criaram no Fumal e se tornaram exemplo de vida para muitos que apáticos a tudo e a todos se deixam levar pelas coisas supérfluas da vida.

Leôncio, tudo que adquiriu, foi trabalhando, mas não deixou as origens do Fumal. Casou-se 4 vezes e constituiu sua família. Até hoje existem remanescentes dando continuidade ao legado deixado por Leôncio.

Em 1928, Ângelo José da Silva, migra para o estado do Maranhão, levando consigo as experiências de vida que adquiriu no Fumal e com um animal conduzindo uma carga de fumo de corda para ser vendido por lá. Com as cifras adquiridas iniciou uma nova vida. Lá, conseguiu boas amizades inclusive os conhecimentos de leitura repassados por sua mãe (Saturnina). Tornou-se funcionário Público Federal e quando já estava financeiramente estruturado, casou com uma Sra. por nome Lídia, que várias vezes visitou seus familiares no Fumal.

Anacleto e Maria escreveram sua história na comunidade Fumal, tornaram-se exemplo de vida, que para contar não é fácil. A história, precisa recorrer da Literatura para juntas unir o real e o imaginário dentro do recorte histórico.

No entanto a história de Anacleto não para por aqui, é comum no meio do nosso povo os pedidos do pós-morte, exigindo onde e como quer descer para mansão dos mortos. Anacleto pediu em vida que quando morresse queria ser sepultado debaixo do pé de “podóia” que existia próximo ao cruzamento de uma das estradas antigas. Seu pedido foi feito e até hoje a arvore existe para ser testemunha da História. Convém dizer que Anacleto foi a primeira pessoa a ser sepultada naquele espaço, hoje cemitério do Fumal, muito embora existam outras referências na comunidade de povos mais antigos.

Com o passar dos tempos, para eternizar o nome de Anacleto, o seu neto Leôncio José da Silva, no segundo casamento, põe o nome de seu último filho com Joana, de Anacleto, cujos cuidados foram encarregados a sua comadre e também parenta Maria Romana, mãe da dona Virgília, e avó da Antônia Macedo, Agente de Saúde. O certo é que Anacleto, ficou com a família que o adotou até os 16 anos, quando resolveu viajar em busca de trabalho e nunca mais voltou e nem dá notícias. Ninguém sabe se ele está vivo ou morto. “Deus é quem sabe”.

Assim podemos sentir que a Historia existe, basta encontrar tempo e paciência para escrever. Tudo acontece, mas nem toda hora alguém está próximo para relatar.

TEXTO: Profª Suênia Marla de Gênesis

             Livro: Aconteceu não vi, mas me contaram assim.  – (2010: p 46/60 ) – Fundac - Micro projeto Cultura – Funart – Banco do Nordeste – Ministerio da Cultura(Brasil um país de todas).

 

 

 

 

 

 

 

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