domingo, 27 de outubro de 2019

HISTÓRIA DA CAJUÍNA EM VALENÇA DO PIAUÍ


                                    Foto do Acervo da Profª Solange Portela - Valença do Piauí


                         HISTÓRIA DA CAJUÍNA EM VALENÇA DO PIAUÍ
                                                                 Prof. Antonio Jose Mambenga
A cidade de Valença do Piauí, situada a 210 Km de Teresina, capital do estado do Piauí, está inserida na mesorregião Centro-Norte Piauiense.
No que diz respeito ao sistema orográfico, segundo João Gabriel Batista, o município de Valença-PI, pertence ao grupo do relevo piauiense codinominado “Cuestas do Centro” e quanto ao clima se bifurca entre o semi-árido e tropical seco com chuvas esparsas de verão o que favorece se tornar referencia na vegetação que ora possui características da caatinga, ora se apresenta como cerrado, sendo que tudo isso os campos valencianos são pontuados por uma flora bastante eclética  dentre as quais apresenta-se o cajueiro, que comumente é conhecido por cajuí, tamanho menor, próprio para doces, ou mesmo para ser degustado de forma natural pelo sabor que possui e um outro tipo de caju, de pedúnculo maior, às vezes amarelo, ou de cor vermelha, mais suculento, chamados de cajuá ou caju verdadeiro. Ambos pelo  contexto histórico se confundem com a história da cidade.
Segundo Marilda Alves Martinez, no seu livro, Caju uma planta de mil utilidades(1992), “O caju é uma planta genuinamente nordestina. Acrescenta também, que em 1558 um historiador francês ao descrever esse fruto da família das anacardiáceas (Anacardium occidental, etc...), foi o primeiro a confundir o pedúnculo com o fruto.
“O  nome caju é sem dúvida, originário da palavra tupi (“ARAYU”). Do fruto são extraídos a amêndoa e o óleo da castanha”.
“O pedúnculo de consistência dura, possui grande concentração de vitamina “C”. Come-se ao natural em forma de doce, seco (passas ou cristalizado),  em calda ou em pasta”.              
O suco é usado para refresco e para a fabricação de bebidas como vinho, refrigerantes com os sem gás. Todavia, a história  registra em seu acervo a saborosa cajuína, que se projeta ao longo dos anos como a bebida tipicamente valenciana  elastecendo o seu sabor às mais longínquas localidades do país.
Em Valença do Piauí, a comercialização  da cajuína é remota a década de 1930 do século XX,  através da família Portela Veloso, na pessoa de Dona Maria Portela Veloso, popularmente conhecida como “Marica Veloso”, esposa do Senhor Clovis Veloso.
Produzida de forma artesanal para o consumo familiar e para venda, inclusive como produto de exportação para outros Estados da Federação Brasileira (Ceará – São Paulo – Rio de Janeiro, etc.), uma vez que o Sr. Clovis Portela Veloso era comerciante e  fazia o intercâmbio  comercial, levando a cajuína produzida em Valença para outras regiões do espaço brasileiro e de lá regressava trazendo outras mercadorias. Algumas vezes era  comum a prática do escambo, provocado pela demanda de produção ou mesmo pela oscilação financeira do sistema brasileiro.
O certo é que a cajuína, tornava  referência na cidade de Valença do Piauí e o cajueiro o ícone de sua própria identificação adquirindo um espaço no contexto histórico e literário da cidade.
É comum em Valença os cajueiros,  receberem nomes, cujo batismo alude a personagens locais, bem como a situações.
Os cajueiros da Quinta de “Seu Clovis, eram conhecidos como: da  Maria, da  Júlia, do Assis, da Solange e outros personagens da família. Na localidade Riacho  Barnabé, recebiam a alcunha de: Cajueiro de Dona Joana, do Tio Augusto, da Nêga Mariana e do velho Antônio. Em Novo Oriente(PI), Dona Antonina da Cara de Soin, morava na localidade Cajueiro Azedo. Enquanto em Aroazes(PI), tem uma comunidade por nome Cajueiro, onde está fincada, a grande fazenda do Major Sinval. No povoado Taboquinha, próximo ao Balneário Santa Rosa, tem um grande exemplar conhecido por cajueiro do João Couro.
No sitio Juaí, eram famosos os cajueiros das três cuias, da Sinhá Pedrina e do Cabo Jorge. Próximo ao Sítio Almesqueiras, era bastante conhecido o cajueiro do Carretão, onde era comum aparecer o lobisomem no mês  de agosto. Mas foi no cajueiro do menino, nas proximidades da localidade Pedra do Urubu, que  ocorreu um assassinato no final da década de 1950 cuja testemunha ocular foi um menino proveniente de cidade de Pio  IX.
 No perímetro urbano, quem não lembra do cajueiro do “Melão”? Point da Preta Mão de onça e de tantas pretas que também  passaram por lá. Enquanto, no bairro Levanderia, tornaram-se referencias os cajueiros do Firmino Rosca, do Manoel Guilherme, do Velho Rocha e do Tio Riba na roça dos mambengas. Enquanto o cajueiro do ”Padim Raimundo” que ficava  perto da “Pedra da Alma”, também no Bairro Lavanderia,  essa árvore frutífera,  era muito visitada tanto no período da safra e mais ainda na entre safra, pela criançada e    pelos jovens e adolescentes do bairro e circunvizinhança. Quanto aos adultos, quem mais comparecia era o “Seu  Chico do Tiro, por entender de mandinga e causar espanto nas pessoas, porque na mesma árvore, era comum se observar cajus na cor amarela e cajus na cor vermelha, daí só Chico do Tiro, que era catimbozeiro e suspeito de virar lobisomem, ter umas visitas inusitadas e fora de hora ao velho cajueiro no do Bairro Lavanderia.
A identificação do cajueiro com a História de Valença não pára por aqui. O anonimato ainda camufla o cajueiro e os cajus inclusive de um candidato a  cargo eletivo na cidade de Valença(PI),  que no espaço onde funcionou a olaria do Sr.  Nestor, subia nos cajueiros  para sacudí-lo e as crianças disputarem os suculentos pedúnculos que caiam  para saciar mais um desejo cultural de que estomacal das crianças, uma vez que o  caju já faz parte de  cotidianidade do povo valenciano, mas a forma como acontecia tornava-se chamativo para criançada.
          A Cajuina valenciana, tem suas raízes na cidade de Oeiras, chegando a Valença, no final da década de setenta do século XIX (1879) através da família Portela, na pessoa da Sra. Laura Portela Soares, irmã do Cônego Acylino.
Dona Laura trabalhava o caju para extrair o delicioso  suco, cuja preferência do Cônego era sem passar pelo banho Maria.
Os ensinamentos foram passados para dona Srª. Maria Portela Veloso, esposa do Sr. Clovis Veloso.
Em Valença,  Dona Maria Portela Veloso (Marica de Sr. Clovis) continuou o trabalho iniciado por dona Laura, cuja assessoria era feita por: Zulita Portela Mendes que é mãe de Solange Portela, Teresa Maria da Conceição (ama), e Ana Vim-Vim, as duas últimas trabalhavam para Dona Marica, também no período da entre safra do caju. Tereza e Ana Vim-Vim,  colhiam os cajus na roça do Sr. Clovis Veloso, no Sítio Betel, com a ajuda de Dona  Bárbara, uma senhora de idade mais avançada que elas, mas funcionava como orientadora na seleção dos cajus que poderiam ser colhidos. Com o passar do tempo outras mulheres entraram também na atividade de recolhimento de cajus, como: Zoraide, Maria Pretinha, Zefinha do Zé Tucum. Outra pessoa que assessorava Dona Marica, na produção de cajuína, era Dona Vitória, avó do Chico Zeca, porque cumulava conhecimentos na fabricação de cajuína, adqueridos quando ainda morava em Oeiras, daí sua importância, considerada por Dona Marica como seu braço direito e esquerdo, mas nunca como “os olhos e nem ouvidos”, porque também isso não era necessário.
Um detalhe, o caju era colhido de forma individual num pano macio para não sofrer nenhuma agressão no pedúnculo,  daí o sabor, porque não misturavam caju nem pelo tamanho, espessura ou mesmo cor. Como os cajueiros eram identificados por nome de membros da família, trabalhadores e/ou amigos, cuja seleção servia de base para tratar o caju para fabricação da cajuína. O grande segredo era a forma como eram cuidados os cajus sob a vigilância de Dona Marica de “Seu Clovis”.
            O Sr. Clovis Veloso, viajava sempre para Fortaleza, pois era comerciante e em uma dessas viagens, mandou fazer o rótulo na Coletoria. (Hoje Secretaria de Fazenda).
Produzida de forma artesanal para consumo e venda, inclusive como produto de exportação através,  do Bar e Restaurante Glória de propriedade do Senhor Gaudêncio Portela Veloso, que foi responsável pelo intercambio comercial, levando a cajuína produzida em Valença do Piauí para outros Estados  da Federação Brasileira (Ceará, Pernambuco, São Paulo, Rio de Janeiro e outros). Através dos caminhoneiros que passavam pelo restaurante diariamente.
A cidade de Valença do Piauí projeta-se no cenário piauiense como produtora da melhor cajuína da região central do Piauí,  uma vez que funciona como um misto entre o sabor e a tradição.
A história da cajuína se confunde com a história da cidade, introduzida pela  família Veloso nas primeiras décadas do século XX. O certo é que de bebida especial para pessoas especiais, conquistou os vários  segmentos sociais da cidade e circunvizinhança.
Dona Marica, não media esforços para realizar um bom trabalho. Acompanhava tudo de perto, desde a colheita  dos cajus até o armazenamento.
Para executar melhor o trabalho e proporcionar o gosto estético da cajuína  de Valença! A colheita era feita de forma individual e com a mão envolvida em tecido macio, para não prejudicar o pedúnculo e não afetar na transparência e o sabor. Enfim os cajueiros se projetaram,  “ a cajuína, feminina e já cristalina e apenas lá em Teresina é que encontrou sua rima”. Hoje, é comum ainda colocar nomes nas patentes, (São Camilo, Dona Joana, Dona Júlia,  Valença ou mesmo São Francisco, cujo destaque pode ser dado para cajuína confeccionada sob o olhar cuidadoso de Mãe França no Sítio do Pai Larô, localizado ás margens do rio Tranqueira). 
Todavia, foi a Dona Maricas Veloso, a grande responsável por este empreendimento que ganhou fama no Piauí e restante do país. Muitos dos cajueiros ainda estão vivos e funcionam como testemunhas da história que começa com Dona Maricas. Atualmente os terrenos e os cajueiros pertencem a propriedade do Sr. Antonio Carlos Cortez.
Com o passar do tempo, a senhora Maricas Veloso, repassou a técnica de preparo da cajuína para a senhora Carmina Veloso, conhecida como Sinhazinha,(Mãe de Dr Nemésio), possuidora de um pequeno pomar de cajueiro que lhe dava a oportunidade de selecionar os melhores frutos para fabricação do produto. Maravilhados com a nova bebida, a família do Sr Francisco de Castro (Chimba), recebeu a receita e passou  a produzir a deliciosa cajuína, primeiramente para o consumo da família, servir às visitas ilustres e presentear amigos mais íntimos.
Na década de 70 (setenta) do século XX, com o número maior de cajueiros no pomar, a família Martins(Chimba), começou sua pequena e artesanal fabricação da apreciada bebida. Os cajus eram colhidos e selecionados manualmente, como fazia Dona Marica. Após a retirada das castanhas, o pedúnculo era moído em um pequeno moinho de carne, depois de moído era coado e o suco concentrado era classificado com cola derretida em água do caju. Em seguida tampadas e  cozidas  em banho-maria, em tachos de cobre, os mesmos que eram utilizados no preparo da rapadura, os quais ficavam sobre as brasas com as cajuínas de um dia para o outro e depois de frias eram armazenadas e próprias para o consumo. Antes de serem armazenadas as tampas eram fixadas com um produto chamado breu.
Segundo o Senhor Valdir e Dona Neli Martins, donos da Cajuína São Camilo, somente no inicio da década  de 80 (oitenta) do século XX, conseguiram mecanizar a produção, adquirindo uma máquina melhor. Porém a qualidade e  aceitação da cajuína continua sendo a mesma, a qual era  muito apreciada nos Estados de São Paulo, Rio de Janeiro, Brasília, Maranhão (de onde veio uma comitiva para aprender o processo de fabricação).
Com a eclosão da cajuína, outras famílias também passaram confeccionar cajuína e lhe atribuírem nome no produto fabricado, porém mantinham os ensinamentos obtidos para manutenção da qualidade, daí o gosto da cajuína fabricada em Valença e/ou por Valencianos radicados em outras cidades, mantem a mesma qualidade.
Atualmente o processo de fabricação da cajuína conquista espaço inclusive a Associação de Desenvolvimento Comunitário de Município de Valença do Piauí (ADECOMVAPI), que vem trabalhando, desde a década de 90 (noventa) do século XX, não só a cajuína como também outros derivados do caju, na área de doces e salgados.
A própria cajuína que atualmente representa uma bebida típica do Piauí, é cantada por Caetano Veloso, a música Cajuína, que tem letra e música do próprio Caetano Veloso.
“... Tão pouco turva-se a lágrima nordestina
Apenas a matéria vida era tão fina
E éramos olharmo-nos intacta retina
A cajuína cristalina em Teresina...”
Isto indica que a cajuína é um produto “genuinamente piauiense”, e também com referencias em Valença do Piauí.
No início, utilizavam as garrafas que vinham com bebidas (cervejas, refrigerantes, etc). tampando com cortiça, amarravam com barbante e fixavam com “breu”. Com o passar do tempo, surgiram as tampas de refrigerantes, mas atualmente existem as tampas próprias adquiridas nas casas comerciais.

BIBLIOGRAFIA
EMATER,  Escritório – Valença do Piauí
EMBRAPA CNPCA – Folder Campanha Nacional de aumento da Produtividade de Cajueiro, Fortaleza – CE, 1992.
FONTES ORAIS, Profª Solange Portela, família Martins, Maria de Lurdes Silva e Lima, vice  - presidente da ADECOMVAPI.
NASCIMENTO, Vera Lúcia Gabriel, Projeto Plano de Divulgação da Cajuina Valenciana nos Bares, Lanchonetes e Restaurantes.2008                                                                                         MINISTÉRIO DA AGRICULTURA DA PECUÁRIA E ABASTECIMENTO: Folder, Cultivo de Cajueiro Anão Precoce em Regime de Sequeiro.
MARTINEZ, Marilda Alvares & BARRERA, Paulo, Caju uma planta de mil utilidades, São Paulo. 1992                                                                                                                        
TEIXEIRA, Tomaz, O Piauí do Futuro, ed. Freire & Companhia LTDA, Teresina-PI.