A PROCISSÃO DOS MORTOS
Cada povo tem sua história que se bifurca
entre o patrimônio material e imaterial, formando assim um acervo Cultural de
grande importância para criação da identidade local.
A cidade de Valença do Piauí, guarda no seu
contexto histórico muitas lendas que se formaram ao longo do tempo, dentre elas
a Procissão dos Mortos
A PROCISSÃO DOS MORTOS
A procissão dos Mortos, destaca-se como uma
das mais conhecidas lendas da cidade de Valença do Piauí, pelo contexto e
antiguidade que se insere, cujo enredo remota ao início do século XX. Sobe-se,
portanto, que seu auge foi no período que a igreja tinha como Vigário o Cônego
Acylino. E se o Cônego chegou em Valença em 1879 o episódio mais marcante
ocorreu neste período.
Segundo Dona Maria Juvina, matriarca da
família e Juvina, numa certa noite de quarta-feira da Semana Santa, conhecida
popularmente como “Quarta-feira de Trevas”, uma moradora de rua do Maranhão,
por nome Prisilina, estava com insônia mexeu-se, remexeu-se na velha cama
coberta de couro de boi e não conseguia dormir. Debulhou o rosário Santo de
Maria e o sono não chegava. Inquieta, resolveu ir até a janela da casa que dava
visão para rua e percebeu um longo silêncio, mas um silêncio tão grande como se
a cidade estivesse morta, nem mesmo os grilos que habitavam nas margens do Rio
Caatinguinha davam sinal de vida, bem como, se a própria correnteza do rio
estivesse também repouso. Isso deixou Prisilina em estado de choque,
principalmente por ser responsável pela transmissão das boas e más notícias da
cidade, mesmo assim, seu olhar convergia para Ponte Velha, Largo da Igreja
Nossa Senhora do Ó Atual São Benedito atingindo até a Cadeia Velha e Casa de
Dona Maria Luiza, onde nem mesmo a escrava Elentéria dava sinal de vida.
De repente, escuta bem distante, o som de uma
banda de música executando hinos sacros, dentre eles...
- Prisilina, continuou na janela contemplando
a rua, mais achando estranho a melodia executada pela banda de música, que se
aproximava a cada instante. Sem querer, mesmo sendo uma mulher de coragem, sentia
uns calafrios, mas a curiosidade era tamanha que a coragem superava o medo e à
medida que o tempo passava o som se aproximava e ela já não se suportava de
tanta ansiedade para saber o que era. Para aguçar mais a curiosidade, sentiu o
cheiro forte de incenso de igreja, cuja fumaça subia ao céu como se quisesse
tocar as estrelas. Para surpresa sua, observou um pálio, protegido por quatro
arandelas e sobre um padre conduzindo um ostensório acompanhado por uma banda
de música com que em vez de calça e camisa usavam túnicas brancas. Após a banda
os devotos que formavam uma procissão, todo vestidos de túnicas brancas e conduzindo
uma vela de cera de abelha Silvestre, e a medida que ia sendo queimada exalava
um cheiro agradável que somado ao cheiro do incenso aromatizava a rua do
Maranhão e o olfato da velha moradora.
Vendo isso, Prisilina, ficou atônita,
faltaram-lhe as pernas, as mãos trêmulas, não conseguiam atingir o rosto para
enxergar as lágrimas que persistiam escoar pelo rosto cheio de rugas. Os
cabelos, estes nem pensar, estavam todos arrepiados como se quisessem espetar
caju.
A cena foi aterrorizante ao extremo, mas o
estado de choque foi pior ainda, quando a última pessoa do cortejo, se
desprendeu do grupo e saiu em sua direção. Neste momento, Prisilina se vale do
inconsciente, mesmo com dificuldades eleva o pensamento até Deus, clama por
todos os santos conhecidos e os que já tinha ouvido falar, para que lhe
ajudasse naquele momento difícil.
Trêmula e sem ação, viu que era inevitável o
encontro. Em pensamento reza o credo e a oração de Maria valei-me, tempo
suficiente de fazer a invocação as almas penadas:
Por três vezes fez a Invocação:
─ Quem pode mais que Deus?
A pessoa da procissão, não respondeu nada,
mas faz um gargarejo tão grande como se uma força superior lhe dominasse.
Prisilina, ainda em estado de choque, continua
rezando e percebeu que as rezas aliviaram o penitente.
De forma brusca, o penitente, entrega a vela
a Prisilina e com uma voz rouca e atrapalhada diz:
─Amanhã, por estas horas querem de volta e se
retirou, caminhando de costa, mantendo o conhecimento popular que alma nenhuma
dá das costas para alguém.
Prisilina, recebeu o lamparina acesa e para
aumentar o choque, percebeu a metamorfose não era mais uma vela, e sim um fêmur
humano. Com isso, a moradora da rua do Maranhão, cai desfalecida. Enquanto isso
o cortejo entra na igreja N.S. do Ó, ao som da matraca. Logo após Prisilina vai
voltando o normal, escuta o canto do galo e o mugir das vacas de Dona Maria
Luiza que morava no outro lado da igreja na atual Rua Major Leite Pereira,
próximo à Casa Grande e a Cadeia Velha.
Cambaleando, Prisilina consegue levantar,
retorna ao leito de dormida, debulha mais um Rosário de Nossa Senhora e
adormece.
No dia seguinte, bem cedo ainda, vai até a
casa do Cônego Acylino que ficava na atual Rua Ivete Veloso, e relata todo
ocorrido a sacerdote. Ele por sua vez aconselhou ela cumprir o pedido, mas para
isso precisava encontrar uma criança de braço por nome Maria, para entregar a
vela/osso, mas não conte nada a mais ninguém, para que a notícia não se espalhe.
Assim Prisilina fez, conseguiu uma criança por
nome Maria e recolheu-se em casa, aguardando o dia passar o que provocou
curiosidade aos demais moradores da Rua do Maranhão e adjacências, nem mesmo Elentéria,
amiga e confidente de Prisilina ficou sabendo do acontecido.
Naquele dia a rua do Maranhão viveu um
silêncio intenso, alguns moradores perceberam por ser um período de Semana Santa,
outros nem tanto, se Prisilina não apareceu, algo de inusitado deveria ter
acontecido para deixar a vizinha fofoqueira reclusa em casa, não sabendo eles
que Prisilina, estava era em apuros com coisas do outro mundo.
O dia era como se os ponteiros do relógio em
vez de marcar os minutos, indicava era os segundo, mas o tempo passava. O
entardecer foi inevitável, na hora do crepúsculo, Prisilina preferia a Aurora,
mas num passe de mágica, ouviu o canto rouco da coruja anunciando a noite.
A menina Maria, já estava sob os cuidados da
moradora da Rua do Maranhão, aguardando o momento certo de entregar o “osso
vela”, ao penitente da procissão.
Na hora certa, lá para as tantas da
madrugada, Prisilina e a criança Maria, se prostram sob a janela do frontal da
casa, quando tudo ficou como dia anterior, barulho, nem dos grilos das margens
do rio Catinguinha. O som da banda de música já penetravam seus ouvidos, a
fumaça do incenso já subia ao céu e cheio atingia o olfato. Era a procissão que
se aproximava, Pálio, Padre conduzindo o ostensório e os penitentes vestidos de
túnicas brancas e com velas acesas rumavam em direção da Igreja de N.S. do Ó,
quando o último se desprende e se dirige para a casa de Prisilina, esta já
pronta para entregar o osso vela, como havia sido combinado.
O penitente chegou, ouviu a saudação de Prisilina:
─ Quem pode mais do que Deus (3 vezes)
O penitente responde:
─ Ninguém
E a menina Maria, efetua a entrega o osso
vela. O penitente recebe e resmunga, situando os olhos, com aquele olhar de
assombração.
─Foi o que te salvou! Estas são as horas
mortas, onde os vivos devem estar dormindo e os mortos em penitentes. Dizendo
isso, se retira da mesma forma que a anterior, de costa, porque a alma não
mostra as costas para nenhum ser vivo, acompanhou o cortejo, que entregou na
igreja só Deus sabe para fazer o que. Prisilina, pós este momento, recolheu aos
aposentos para tentar dormir, mas para sua surpresa, no outro dia encontrou uma
mensagem escrita num pedaço do osso vela que havia se desprendido, com o
seguinte texto: a história não acabava aqui, este pedaço de osso, ficará com
você para entregar as pessoas, em forma de vela, sempre nas quartas-feiras da
Semana Santa não só neste espaço da rua do Maranhão, mas em qualquer parte
desta cidade, tanto, que uma pessoa que mora na Rua São João, numa certa
quarta-feira de Procissão, viu a procissão passar, vinda das bandas do Valentim. Por isso em
noite de quarta-feira da Semana Santa, a conhecida quarta-feira de Trevas, em
Valença do Piauí, não receba vela das mãos de pessoas estranhas, porque pode
ser a Prisilina, metamorfoseada de pessoa comum querendo lhe entregar a vela osso
e a maldição ficar com você. Cuidado! A Prisilina, não é raça de gente, não se
deixe levar porque ela é bem comunicativa e o mais difícil na atualidade é uma
criança com o nome Maria.
Desenho: Prof. George Barros
Foto: Acervo Teatrólogo - Raimundo Barbosa
Ouvi muito esta lenda quando criança. Dava medo. :D
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