CÔNEGO ACILINO
Alcides M. Nunes – do I.H.G.Pi-
A geração atual vem, em grande parte, desconhecendo vultos
ilustres do nosso passado. Poucos são
aqueles que continuam sendo invocados. Muitos dormem para sempre, quase que
ignorados, pela falta do seu culto, embora, haja por toda parte monumentos
notáveis e suntuosos a benfeitores ou a heróis anônimos.
Geralmente, pouco dos que passaram pela terra, permanecem na
memória dos vivos.
Observa-se, entretanto, que os que viveram modestamente, sem
se preocupar com notoriedade, desconhecidos, talvez, dos seus próprios
contemporâneos, lutando sempre, despreocupado da própria existência e, sempre
pensando mais em servir ao próximo do que a si mesmo; e sendo por isso, às
vezes, injustiçado, nem sempre são esquecidos.
ACYLINO BATISTA PORTELA FERREIRA, filho de Antônio João
Batista Ferreira e de Maria do Ó Portela Ferreira, tornou-se um desses
abnegados pela prática de fazer o bem com o objetivo de também servir a Deus.
Nasceu em Oeiras a 17 de julho de 1853. Naquela cidade passou
toda a sua meninice em companhia dos seus pais e familiares. Ali, também, fez o
curso primário, transferindo-se depois para Fortaleza, capital do Estado do
Ceará. No seminário da Prainha matriculou-se para prosseguir em seus estudos;
e, a 23 de abril de 1876 ordenou-se sacerdote, demonstrando sempre convicção
religiosa, inteligência privilegiada, e capacidade suficiente para o desempenho
da missão sacerdotal.
No mesmo ano de sua ordenação, regressou o jovem sacerdote à
sua terra natal onde celebrou a sua primeira-missa, que teve lugar na Igreja
Matriz de Nossa Senhora da Vitória.
Em Oeiras, demorou-se pouco; foi ser vigário da Paróquia de
Nossa Senhora dos Remédios, em Picos. A sua ação naquela freguesia foi de logo
sentida, especialmente, pelos seus paroquianos. Na sua circunscrição paroquial,
seguindo o exemplo do Padre Ibiapina, dedicou-se de corpo e alma à pregação da
fé cristã e ao combate dos maus costumes.
Pouco tempo passou na sua primeira freguesia. Em 1879, foi
transferido para a de Nossa Senhora do Ó e Conceição, com sede na cidade de
Valença do Piauí, mais populosa e de maior extensão territorial do que a de
Picos.
Moço ainda e gozando de boa saúde, não vacilou em continuar
com o trabalho evangelizador que lhe foi confiado. Percorreu, montado em animal
(transporte usado na época), toda a sua nova freguesia. Conheceu de perto todos
os seus problemas, que eram inúmeros. O quadro que encontrou era triste: viu,
inicialmente, em Valença, os horrores causados pela seca de 1877, que foram
danosos para a economia da região; e também viu de perto o sofrimento
inquietante de sua gente, que ainda fora atingida de cheio, pela varíola, que
já havia destruído famílias e deixando ainda em muitas pessoas, marcas
horríveis no rosto.
Foi esse o quadro que mais impressionou o jovem sacerdote em
sua primeira excursão na sua vasta paróquia, onde havia núcleo populacional de
desobriga, com distância superior a vinte léguas da sede paroquial.
Conquistando a amizade dos seus paroquianos, cessada aquela
calamidade e sentindo a boa vontade de todos em lhe auxiliar, lançou a 27 de
agosto de 1893 a pedra fundamental da nova Igreja Matriz. E no ano seguinte, já
contando com grande parte de material, iniciou os trabalhos da construção
pretendida que não sofreram solução de continuidade. E a 18 de dezembro de 1898
foi bento, solenemente e com imensa alegria, o templo foi concluído.
Tem a construção 39 metros de comprimento por 22,80 ditos de
largura. E um dos maiores do Estado do Piauí.
Não ficou somente nisso, o seu trabalho paroquial.
Anualmente, ele visitava todos os núcleos de sua freguesia, pregando a fé
cristã e dando sempre bons exemplos.
Também em Valença, ele fundou a Confraria de São Vicente de
Paula (1908) e a Associação do Apostolado da Oração do Sagrado Coração de Jesus
que prestam relevantes serviços aquela coletividade.
Graças, ainda, ao seu exemplo e ao seu trabalho, foi
desenvolvida entre nós, a obra das vocações sacerdotais, até então pouco
difundida.
A iniciativa do uso habitual da batina, mantido em sua época
somente durante as cerimônias do culto, foi também do Cônego ACILINO, que a
usava como condição indispensável à dignidade sacerdotal.
Em Valença, o Cônego Acilino fez-se ainda, chefe político e
dos mais influentes no Piauí. Dirigiu o Partido Republicano que se tornou
majoritário na região. Assim, em 1910, quando da campanha do civilismo contra o
militarismo no Brasil, ele apoiou Rui Barbosa, chefe da corrente civilista e
foi o vencedor na grande região valenciana. Aliás, vale ressaltar que os
civilistas só venceram em duas cidades brasileiras Valença do Piauí São Borja
(Rio Grande do Sul).
Um dos maiores desejos era o de ser o guia espiritual da
gente da terra que o viu nascer: o que só lhe foi possível em 1916. Tinha quase
63 anos de idade quando se transferiu para a Paróquia de Nossa Senhora da
Vitória, em Oeiras, onde permaneceu como vigário até o seu falecimento,
ocorrido a 29 de março de 1917, com pouco tempo depois de realizado o seu
grande sonho.
Numa palestra memorável publicada pela Imprensa Nacional no
ano de 1917, sob o título “FREI SERAFIM DE CATANIA", Elias Martins,
erudito e admirado publicista, fazendo referência a outros destacados
sacerdotes do clero piauiense de sua época, disse em relação ao Cônego Acilino.
Coube a um moço levita, contemporâneo de Frei Serafim,
guardar tão preciosa lembrança na integridade e beleza primitivas, acrescida
por Valença e Oeiras, as quase juntas a Picos, hoje três cidades, cabeças de
importantes municípios, formam o triângulo sertanejo notável pela fé ardente de
seus filhos, quase na totalidade católicos praticantes.
Trabalhou quarenta e um anos, sem um deslize, morrendo em
pleno campo de ação, santificado por heroicos sacrifícios, veteranos de mil
batalhas, caído ao pé da gloriosa bandeira.
Os anos e as enfermidades nunca lhe empalideceram o fulgor do
espírito juvenil, a derramar em torno suave luz de salutar alegria. Das
populações despretensioso governador, obedecido e advinhado pelos corações,
tê-las de trilhar a vereda do bem salvo das ambições, modesto e pobre, dando o
que recebia, preso a divina máxima “não faltam alimentos aos pássaros e nem
Salomão se vestiu melhor que os lírios”.
Primos inter pares, tinha natural pendor pelo derradeiro
lugar, padecesse embora o constrangimento da preeminência nos conselhos
eclesiásticos, com justiça e feliz acerto apelidado Nestor do clero piauiense.
Seu nome, Cônego Acylino Batista Portela Ferreira, di-lo em
uma só palavra o sertanejo “o Cônego, numa abundância de amor, espontâneo
expressivo que nunca seria possível confundi-lo com outro. Nem podia deixar de
ser assim, porque viu nascer e batizou aquela boa gente, uniu e abençoou todos
os lares, ungiu e sacramentou milhares que dormem nos cemitérios: era o seio
bendito onde se adormentavam todas as dores e floresciam todas as alegrias”.
Vidal de Freitas, quando o juiz de Direito da Comarca de
Valença do Piauí, em seu livro “CONTRADIÇÃO” publicado em 1943, deu-nos,
também, e inequívoca opinião a respeito do consagrado sacerdote. Diz o digno
magistrado e emérito professor, em seu expressivo admirável soneto:
VALENÇA
“Aqui, em cada praça em
cada rua,
Algo recorda o Cônego
Acelino;
Grupo Escolar, igreja, a
voz do sino,
Tudo dele a memória
perpétua.
Sobre a cidade humilde
continua
Todo o influxo do bem,
adamantino,
Que o sacerdote ilustre
ao seu destino
Imprimiu e que o povo
ainda cultua.
Almo tributo de louvor
merece
A gente em cujo coração
perdura
A influência de um mortal
que nunca esquece
Pois ninguém há que uma
emoção não vença
Vendo essa gratidão
constante e pura
Do povo hospitaleiro de
Valença”
REFERÊNCIA
NUNES, Alcides Martins,
(IN) Revista do Instituto Histórico de Oeiras, Nº 02- 1980 p. 178 A 181.
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