terça-feira, 16 de dezembro de 2025

 

                                                             CÔNEGO ACILINO

                                                                                                 Alcides M. Nunes – do I.H.G.Pi-

A geração atual vem, em grande parte, desconhecendo vultos ilustres do nosso passado.  Poucos são aqueles que continuam sendo invocados. Muitos dormem para sempre, quase que ignorados, pela falta do seu culto, embora, haja por toda parte monumentos notáveis e suntuosos a benfeitores ou a heróis anônimos.

Geralmente, pouco dos que passaram pela terra, permanecem na memória dos vivos.

Observa-se, entretanto, que os que viveram modestamente, sem se preocupar com notoriedade, desconhecidos, talvez, dos seus próprios contemporâneos, lutando sempre, despreocupado da própria existência e, sempre pensando mais em servir ao próximo do que a si mesmo; e sendo por isso, às vezes, injustiçado, nem sempre são esquecidos.

ACYLINO BATISTA PORTELA FERREIRA, filho de Antônio João Batista Ferreira e de Maria do Ó Portela Ferreira, tornou-se um desses abnegados pela prática de fazer o bem com o objetivo de também servir a Deus.

Nasceu em Oeiras a 17 de julho de 1853. Naquela cidade passou toda a sua meninice em companhia dos seus pais e familiares. Ali, também, fez o curso primário, transferindo-se depois para Fortaleza, capital do Estado do Ceará. No seminário da Prainha matriculou-se para prosseguir em seus estudos; e, a 23 de abril de 1876 ordenou-se sacerdote, demonstrando sempre convicção religiosa, inteligência privilegiada, e capacidade suficiente para o desempenho da missão sacerdotal.

No mesmo ano de sua ordenação, regressou o jovem sacerdote à sua terra natal onde celebrou a sua primeira-missa, que teve lugar na Igreja Matriz de Nossa Senhora da Vitória.

Em Oeiras, demorou-se pouco; foi ser vigário da Paróquia de Nossa Senhora dos Remédios, em Picos. A sua ação naquela freguesia foi de logo sentida, especialmente, pelos seus paroquianos. Na sua circunscrição paroquial, seguindo o exemplo do Padre Ibiapina, dedicou-se de corpo e alma à pregação da fé cristã e ao combate dos maus costumes.

Pouco tempo passou na sua primeira freguesia. Em 1879, foi transferido para a de Nossa Senhora do Ó e Conceição, com sede na cidade de Valença do Piauí, mais populosa e de maior extensão territorial do que a de Picos.

Moço ainda e gozando de boa saúde, não vacilou em continuar com o trabalho evangelizador que lhe foi confiado. Percorreu, montado em animal (transporte usado na época), toda a sua nova freguesia. Conheceu de perto todos os seus problemas, que eram inúmeros. O quadro que encontrou era triste: viu, inicialmente, em Valença, os horrores causados pela seca de 1877, que foram danosos para a economia da região; e também viu de perto o sofrimento inquietante de sua gente, que ainda fora atingida de cheio, pela varíola, que já havia destruído famílias e deixando ainda em muitas pessoas, marcas horríveis no rosto.

Foi esse o quadro que mais impressionou o jovem sacerdote em sua primeira excursão na sua vasta paróquia, onde havia núcleo populacional de desobriga, com distância superior a vinte léguas da sede paroquial.

Conquistando a amizade dos seus paroquianos, cessada aquela calamidade e sentindo a boa vontade de todos em lhe auxiliar, lançou a 27 de agosto de 1893 a pedra fundamental da nova Igreja Matriz. E no ano seguinte, já contando com grande parte de material, iniciou os trabalhos da construção pretendida que não sofreram solução de continuidade. E a 18 de dezembro de 1898 foi bento, solenemente e com imensa alegria, o templo foi concluído.

Tem a construção 39 metros de comprimento por 22,80 ditos de largura. E um dos maiores do Estado do Piauí.

Não ficou somente nisso, o seu trabalho paroquial. Anualmente, ele visitava todos os núcleos de sua freguesia, pregando a fé cristã e dando sempre bons exemplos.

Também em Valença, ele fundou a Confraria de São Vicente de Paula (1908) e a Associação do Apostolado da Oração do Sagrado Coração de Jesus que prestam relevantes serviços aquela coletividade.

Graças, ainda, ao seu exemplo e ao seu trabalho, foi desenvolvida entre nós, a obra das vocações sacerdotais, até então pouco difundida.

A iniciativa do uso habitual da batina, mantido em sua época somente durante as cerimônias do culto, foi também do Cônego ACILINO, que a usava como condição indispensável à dignidade sacerdotal.

Em Valença, o Cônego Acilino fez-se ainda, chefe político e dos mais influentes no Piauí. Dirigiu o Partido Republicano que se tornou majoritário na região. Assim, em 1910, quando da campanha do civilismo contra o militarismo no Brasil, ele apoiou Rui Barbosa, chefe da corrente civilista e foi o vencedor na grande região valenciana. Aliás, vale ressaltar que os civilistas só venceram em duas cidades brasileiras Valença do Piauí São Borja (Rio Grande do Sul).

Um dos maiores desejos era o de ser o guia espiritual da gente da terra que o viu nascer: o que só lhe foi possível em 1916. Tinha quase 63 anos de idade quando se transferiu para a Paróquia de Nossa Senhora da Vitória, em Oeiras, onde permaneceu como vigário até o seu falecimento, ocorrido a 29 de março de 1917, com pouco tempo depois de realizado o seu grande sonho.

Numa palestra memorável publicada pela Imprensa Nacional no ano de 1917, sob o título “FREI SERAFIM DE CATANIA", Elias Martins, erudito e admirado publicista, fazendo referência a outros destacados sacerdotes do clero piauiense de sua época, disse em relação ao Cônego Acilino.

Coube a um moço levita, contemporâneo de Frei Serafim, guardar tão preciosa lembrança na integridade e beleza primitivas, acrescida por Valença e Oeiras, as quase juntas a Picos, hoje três cidades, cabeças de importantes municípios, formam o triângulo sertanejo notável pela fé ardente de seus filhos, quase na totalidade católicos praticantes.

Trabalhou quarenta e um anos, sem um deslize, morrendo em pleno campo de ação, santificado por heroicos sacrifícios, veteranos de mil batalhas, caído ao pé da gloriosa bandeira.

Os anos e as enfermidades nunca lhe empalideceram o fulgor do espírito juvenil, a derramar em torno suave luz de salutar alegria. Das populações despretensioso governador, obedecido e advinhado pelos corações, tê-las de trilhar a vereda do bem salvo das ambições, modesto e pobre, dando o que recebia, preso a divina máxima “não faltam alimentos aos pássaros e nem Salomão se vestiu melhor que os lírios”.

Primos inter pares, tinha natural pendor pelo derradeiro lugar, padecesse embora o constrangimento da preeminência nos conselhos eclesiásticos, com justiça e feliz acerto apelidado Nestor do clero piauiense.

Seu nome, Cônego Acylino Batista Portela Ferreira, di-lo em uma só palavra o sertanejo “o Cônego, numa abundância de amor, espontâneo expressivo que nunca seria possível confundi-lo com outro. Nem podia deixar de ser assim, porque viu nascer e batizou aquela boa gente, uniu e abençoou todos os lares, ungiu e sacramentou milhares que dormem nos cemitérios: era o seio bendito onde se adormentavam todas as dores e floresciam todas as alegrias”.

Vidal de Freitas, quando o juiz de Direito da Comarca de Valença do Piauí, em seu livro “CONTRADIÇÃO” publicado em 1943, deu-nos, também, e inequívoca opinião a respeito do consagrado sacerdote. Diz o digno magistrado e emérito professor, em seu expressivo admirável soneto:

 

  VALENÇA

 

“Aqui, em cada praça em cada rua,

Algo recorda o Cônego Acelino;

Grupo Escolar, igreja, a voz do sino,

Tudo dele a memória perpétua.

 

Sobre a cidade humilde continua

Todo o influxo do bem, adamantino,

Que o sacerdote ilustre ao seu destino

Imprimiu e que o povo ainda cultua.

 

Almo tributo de louvor merece

A gente em cujo coração perdura

A influência de um mortal que nunca esquece

 

Pois ninguém há que uma emoção não vença

Vendo essa gratidão constante e pura

Do povo hospitaleiro de Valença”

 

REFERÊNCIA

NUNES, Alcides Martins, (IN) Revista do Instituto Histórico de Oeiras, Nº 02- 1980 p. 178 A 181.

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