Foto do Acervo da Profª Solange Portela - Valença do Piauí
HISTÓRIA DA CAJUÍNA EM VALENÇA DO PIAUÍ
Prof. Antonio Jose Mambenga
A cidade de Valença do Piauí, situada a 210 Km de Teresina,
capital do estado do Piauí, está inserida na mesorregião Centro-Norte Piauiense.
No que diz respeito ao sistema orográfico, segundo João
Gabriel Batista, o município de Valença-PI, pertence ao grupo do relevo
piauiense codinominado “Cuestas do Centro” e quanto ao clima se bifurca entre o
semi-árido e tropical seco com chuvas esparsas de verão o que favorece se
tornar referencia na vegetação que ora possui características da caatinga, ora
se apresenta como cerrado, sendo que tudo isso os campos valencianos são
pontuados por uma flora bastante eclética dentre as quais apresenta-se o cajueiro, que
comumente é conhecido por cajuí, tamanho menor, próprio para doces, ou mesmo
para ser degustado de forma natural pelo sabor que possui e um outro tipo de
caju, de pedúnculo maior, às vezes amarelo, ou de cor vermelha, mais suculento,
chamados de cajuá ou caju verdadeiro. Ambos pelo contexto histórico se confundem com a história
da cidade.
Segundo Marilda Alves Martinez, no seu livro, Caju uma planta
de mil utilidades(1992), “O caju é uma planta genuinamente nordestina.
Acrescenta também, que em 1558 um historiador francês ao descrever esse fruto
da família das anacardiáceas (Anacardium occidental, etc...), foi o primeiro a
confundir o pedúnculo com o fruto.
“O nome caju é sem
dúvida, originário da palavra tupi (“ARAYU”). Do fruto são extraídos a amêndoa
e o óleo da castanha”.
“O pedúnculo de consistência dura, possui grande concentração
de vitamina “C”. Come-se ao natural em forma de doce, seco (passas ou
cristalizado), em calda ou em
pasta”.
O suco é usado para refresco e para a fabricação de bebidas
como vinho, refrigerantes com os sem gás. Todavia, a história registra em seu acervo a saborosa cajuína,
que se projeta ao longo dos anos como a bebida tipicamente valenciana elastecendo o seu sabor às mais longínquas
localidades do país.
Em Valença do Piauí, a comercialização da cajuína é remota a década de 1930 do
século XX, através da família Portela
Veloso, na pessoa de Dona Maria Portela Veloso, popularmente conhecida como
“Marica Veloso”, esposa do Senhor Clovis Veloso.
Produzida de forma artesanal para o consumo familiar e para
venda, inclusive como produto de exportação para outros Estados da Federação
Brasileira (Ceará – São Paulo – Rio de Janeiro, etc.), uma vez que o Sr. Clovis
Portela Veloso era comerciante e fazia o
intercâmbio comercial, levando a cajuína
produzida em Valença para outras regiões do espaço brasileiro e de lá
regressava trazendo outras mercadorias. Algumas vezes era comum a prática do escambo, provocado pela
demanda de produção ou mesmo pela oscilação financeira do sistema brasileiro.
O certo é que a cajuína, tornava referência na cidade de Valença do Piauí e o
cajueiro o ícone de sua própria identificação adquirindo um espaço no contexto
histórico e literário da cidade.
É comum em Valença os cajueiros, receberem nomes, cujo batismo alude a
personagens locais, bem como a situações.
Os cajueiros da Quinta de “Seu Clovis, eram conhecidos como:
da Maria, da Júlia, do Assis, da Solange e outros
personagens da família. Na localidade Riacho
Barnabé, recebiam a alcunha de: Cajueiro de Dona Joana, do Tio Augusto,
da Nêga Mariana e do velho Antônio. Em Novo Oriente(PI), Dona Antonina da Cara
de Soin, morava na localidade Cajueiro Azedo. Enquanto em Aroazes(PI), tem uma
comunidade por nome Cajueiro, onde está fincada, a grande fazenda do Major
Sinval. No povoado Taboquinha, próximo ao Balneário Santa Rosa, tem um grande
exemplar conhecido por cajueiro do João Couro.
No sitio Juaí, eram famosos os cajueiros das três cuias, da
Sinhá Pedrina e do Cabo Jorge. Próximo ao Sítio Almesqueiras, era bastante
conhecido o cajueiro do Carretão, onde era comum aparecer o lobisomem no
mês de agosto. Mas foi no cajueiro do
menino, nas proximidades da localidade Pedra do Urubu, que ocorreu um assassinato no final da década de
1950 cuja testemunha ocular foi um menino proveniente de cidade de Pio IX.
No perímetro urbano,
quem não lembra do cajueiro do “Melão”? Point da Preta Mão de onça e de tantas
pretas que também passaram por lá.
Enquanto, no bairro Levanderia, tornaram-se referencias os cajueiros do Firmino
Rosca, do Manoel Guilherme, do Velho Rocha e do Tio Riba na roça dos mambengas.
Enquanto o cajueiro do ”Padim Raimundo” que ficava perto da “Pedra da Alma”, também no Bairro
Lavanderia, essa árvore frutífera, era muito visitada tanto no período da safra
e mais ainda na entre safra, pela criançada e
pelos jovens e adolescentes do bairro e circunvizinhança. Quanto aos
adultos, quem mais comparecia era o “Seu
Chico do Tiro, por entender de mandinga e causar espanto nas pessoas,
porque na mesma árvore, era comum se observar cajus na cor amarela e cajus na
cor vermelha, daí só Chico do Tiro, que era catimbozeiro e suspeito de virar
lobisomem, ter umas visitas inusitadas e fora de hora ao velho cajueiro no do
Bairro Lavanderia.
A identificação do cajueiro com a História de Valença não
pára por aqui. O anonimato ainda camufla o cajueiro e os cajus inclusive de um
candidato a cargo eletivo na cidade de
Valença(PI), que no espaço onde
funcionou a olaria do Sr. Nestor, subia
nos cajueiros para sacudí-lo e as
crianças disputarem os suculentos pedúnculos que caiam para saciar mais um desejo cultural de que
estomacal das crianças, uma vez que o caju já faz parte de cotidianidade do povo valenciano, mas a forma
como acontecia tornava-se chamativo para criançada.
A Cajuina
valenciana, tem suas raízes na cidade de Oeiras, chegando a Valença, no final
da década de setenta do século XIX (1879) através da família Portela, na pessoa
da Sra. Laura Portela Soares, irmã do Cônego Acylino.
Dona Laura trabalhava o caju para extrair o delicioso suco, cuja preferência do Cônego era sem
passar pelo banho Maria.
Os ensinamentos foram passados para dona Srª. Maria Portela
Veloso, esposa do Sr. Clovis Veloso.
Em Valença, Dona Maria
Portela Veloso (Marica de Sr. Clovis) continuou o trabalho iniciado por dona
Laura, cuja assessoria era feita por: Zulita Portela Mendes que é mãe de
Solange Portela, Teresa Maria da Conceição (ama), e Ana Vim-Vim, as duas
últimas trabalhavam para Dona Marica, também no período da entre safra do caju.
Tereza e Ana Vim-Vim, colhiam os cajus
na roça do Sr. Clovis Veloso, no Sítio Betel, com a ajuda de Dona Bárbara, uma senhora de idade mais avançada
que elas, mas funcionava como orientadora na seleção dos cajus que poderiam ser
colhidos. Com o passar do tempo outras mulheres entraram também na atividade de
recolhimento de cajus, como: Zoraide, Maria Pretinha, Zefinha do Zé Tucum.
Outra pessoa que assessorava Dona Marica, na produção de cajuína, era Dona
Vitória, avó do Chico Zeca, porque cumulava conhecimentos na fabricação de
cajuína, adqueridos quando ainda morava em Oeiras, daí sua importância, considerada
por Dona Marica como seu braço direito e esquerdo, mas nunca como “os olhos e
nem ouvidos”, porque também isso não era necessário.
Um detalhe, o caju era colhido de forma individual num pano
macio para não sofrer nenhuma agressão no pedúnculo, daí o sabor, porque não misturavam caju nem
pelo tamanho, espessura ou mesmo cor. Como os cajueiros eram identificados por
nome de membros da família, trabalhadores e/ou amigos, cuja seleção servia de
base para tratar o caju para fabricação da cajuína. O grande segredo era a
forma como eram cuidados os cajus sob a vigilância de Dona Marica de “Seu
Clovis”.
O Sr. Clovis
Veloso, viajava sempre para Fortaleza, pois era comerciante e em uma dessas
viagens, mandou fazer o rótulo na Coletoria. (Hoje Secretaria de Fazenda).
Produzida de forma artesanal para consumo e venda, inclusive
como produto de exportação através, do
Bar e Restaurante Glória de propriedade do Senhor Gaudêncio Portela Veloso, que
foi responsável pelo intercambio comercial, levando a cajuína produzida em
Valença do Piauí para outros Estados da
Federação Brasileira (Ceará, Pernambuco, São Paulo, Rio de Janeiro e outros).
Através dos caminhoneiros que passavam pelo restaurante diariamente.
A cidade de Valença do Piauí projeta-se no cenário piauiense
como produtora da melhor cajuína da região central do Piauí, uma vez que funciona como um misto entre o
sabor e a tradição.
A história da cajuína se confunde com a história da cidade,
introduzida pela família Veloso nas
primeiras décadas do século XX. O certo é que de bebida especial para pessoas
especiais, conquistou os vários
segmentos sociais da cidade e circunvizinhança.
Dona Marica, não media esforços para realizar um bom
trabalho. Acompanhava tudo de perto, desde a colheita dos cajus até o armazenamento.
Para executar melhor o trabalho e proporcionar o gosto
estético da cajuína de Valença! A
colheita era feita de forma individual e com a mão envolvida em tecido macio,
para não prejudicar o pedúnculo e não afetar na transparência e o sabor. Enfim
os cajueiros se projetaram, “ a cajuína,
feminina e já cristalina e apenas lá em Teresina é que encontrou sua rima”.
Hoje, é comum ainda colocar nomes nas patentes, (São Camilo, Dona Joana, Dona
Júlia, Valença ou mesmo São Francisco, cujo destaque pode ser dado para cajuína confeccionada sob o olhar cuidadoso de Mãe França no Sítio do Pai Larô, localizado ás margens do rio Tranqueira).
Todavia, foi a Dona Maricas Veloso, a grande responsável por
este empreendimento que ganhou fama no Piauí e restante do país. Muitos dos
cajueiros ainda estão vivos e funcionam como testemunhas da história que começa
com Dona Maricas. Atualmente os terrenos e os cajueiros pertencem a propriedade
do Sr. Antonio Carlos Cortez.
Com o passar do tempo, a senhora
Maricas Veloso, repassou a técnica de preparo da cajuína para a senhora Carmina
Veloso, conhecida como Sinhazinha,(Mãe de Dr Nemésio), possuidora de um pequeno
pomar de cajueiro que lhe dava a oportunidade de selecionar os melhores frutos
para fabricação do produto. Maravilhados com a nova bebida, a família do Sr
Francisco de Castro (Chimba), recebeu a receita e passou a produzir a deliciosa cajuína, primeiramente
para o consumo da família, servir às visitas ilustres e presentear amigos mais
íntimos.
Na década de 70 (setenta) do século XX, com o número maior de
cajueiros no pomar, a família Martins(Chimba), começou sua pequena e artesanal
fabricação da apreciada bebida. Os cajus eram colhidos e selecionados
manualmente, como fazia Dona Marica. Após a retirada das castanhas, o pedúnculo
era moído em um pequeno moinho de carne, depois de moído era coado e o suco
concentrado era classificado com cola derretida em água do caju. Em seguida
tampadas e cozidas em banho-maria, em tachos de cobre, os mesmos
que eram utilizados no preparo da rapadura, os quais ficavam sobre as brasas
com as cajuínas de um dia para o outro e depois de frias eram armazenadas e
próprias para o consumo. Antes de serem armazenadas as tampas eram fixadas com
um produto chamado breu.
Segundo o Senhor Valdir e Dona Neli Martins, donos da Cajuína
São Camilo, somente no inicio da década
de 80 (oitenta) do século XX, conseguiram mecanizar a produção,
adquirindo uma máquina melhor. Porém a qualidade e aceitação da cajuína continua sendo a mesma, a
qual era muito apreciada nos Estados de
São Paulo, Rio de Janeiro, Brasília, Maranhão (de onde veio uma comitiva para
aprender o processo de fabricação).
Com a eclosão da cajuína, outras famílias também passaram
confeccionar cajuína e lhe atribuírem nome no produto fabricado, porém
mantinham os ensinamentos obtidos para manutenção da qualidade, daí o gosto da
cajuína fabricada em Valença e/ou por Valencianos radicados em outras cidades,
mantem a mesma qualidade.
Atualmente o processo de fabricação da cajuína conquista
espaço inclusive a Associação de Desenvolvimento Comunitário de Município de
Valença do Piauí (ADECOMVAPI), que vem trabalhando, desde a década de 90
(noventa) do século XX, não só a cajuína como também outros derivados do caju,
na área de doces e salgados.
A própria cajuína que atualmente representa uma bebida típica
do Piauí, é cantada por Caetano Veloso, a música Cajuína, que tem letra e
música do próprio Caetano Veloso.
“... Tão pouco turva-se a lágrima nordestina
Apenas a matéria vida era tão fina
E éramos olharmo-nos intacta retina
A cajuína cristalina em Teresina...”
Isto indica que a cajuína é um produto “genuinamente piauiense”,
e também com referencias em Valença do Piauí.
No início, utilizavam as garrafas que vinham com bebidas
(cervejas, refrigerantes, etc). tampando com cortiça, amarravam com barbante e
fixavam com “breu”. Com o passar do tempo, surgiram as tampas de refrigerantes,
mas atualmente existem as tampas próprias adquiridas nas casas comerciais.
BIBLIOGRAFIA
EMATER, Escritório – Valença do Piauí
EMBRAPA
CNPCA – Folder Campanha Nacional de aumento da Produtividade de Cajueiro,
Fortaleza – CE, 1992.
FONTES
ORAIS, Profª Solange Portela, família Martins, Maria de Lurdes Silva e Lima,
vice - presidente da ADECOMVAPI.
NASCIMENTO,
Vera Lúcia Gabriel, Projeto Plano de Divulgação da Cajuina Valenciana nos Bares,
Lanchonetes e Restaurantes.2008 MINISTÉRIO
DA AGRICULTURA DA PECUÁRIA E ABASTECIMENTO: Folder, Cultivo de Cajueiro Anão
Precoce em Regime de Sequeiro.
MARTINEZ,
Marilda Alvares & BARRERA, Paulo, Caju uma planta de mil utilidades, São
Paulo. 1992
TEIXEIRA,
Tomaz, O Piauí do Futuro, ed. Freire & Companhia LTDA, Teresina-PI.
www.letras.mus.br/caetano veloso/44704
A Cajuína Cristalina em Teresina.
ResponderExcluirTorquato Neto-
Música: CAJUÍNA - Caetano Veloso
Álbum: Cinema Transcendental
Muito grato! Confirmo a letra da música do Caetano, quando da visita ao genitor de Torquato em Teresina, segundo um depoimento de Caetano no Programa Altas Horas da tv globo.
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