... TUDO, POR UMA QUESTÃO DE FÉ
Cada povo possui uma maneira diferente de entender as
divindades religiosas, daí existir um pluralismo de manifestações que encadeiam
o intuitivo de cada um. A cidade de Valença do Piauí, teve sua origem de aldeia de índios aruaques,
localizada na serra da missão na atual cidade de Aroazes-Piauí.
No início, este povo chamado primitivos. pelos primeiros
colonizadores que por aqui passaram, tinham suas manifestações religiosas
atreladas a natureza e o ciclo do conhecimento de época.
Com a chegada dos primeiros desbravadores, por volta do final
da primeira metade do século XVII, trouxeram a religião cristã, através do
catolicismo e foram conquistando espaço, pois além de desbravarem a região, o
colonizador também repassava mensagem de fé.
Salvar almas era o grande objetivo cristão, mesmo na maioria
das vezes os financiadores da fé estivessem mais distantes de Deus, que os
próprios habitantes da terra ora conquistada.
Por volta de 1762, quando da instalação da vila de
Valença-Pi, a 20 de setembro, existiam africanos vivendo como escravos, e
pessoas livres. Convém mencionar que estes africanos e/ou remanescentes, tinham
e conservaram sua religião de origem, embora de forma clandestina. Neste caso
as manifestações religiosas de matriz africanas já existiam por estas plagas desde este período histórico,
cujo repassar a seus descendentes, as rezas e rituais não era coisa fácil, pela
repressão as práticas de culto e a forma exótica como eram trabalhadas.
Neste caso, é preciso entender, que, foi no silencio da
noite, sob o zumbido das muriçocas e o estalar da lenha da fogueira que os pretos e pretas velhas
mantiveram sua tradição e conseguiram repassar suas crendices e rituais
religiosos trazidos e adquiridos no decorrer do tempo por seus ancestrais.
O tempo passou, a cautela para tanto era necessária, e aos
poucos foi ocorrendo o sincretismo cuja metamorfose ritualista na maioria das
vezes bifurcava entre os que praticavam o bem e os que faziam o mal, cuja
orientação pela sociedade branca e detentora do poder financeiro, era altamente
seletista, levando em conta os traços físicos e faciais. Geralmente se o
rezador, “cientista popular” ou mesmo o feiticeiro, era pessoa advinda de
classe subalterna, possuidor de pouca escolaridade e comportamento estranho
diante de certas situações sociais, culturais ou mesmo religiosas, cheio de
superstições, crendices, agouros, cujo repertório de malefícios intimidava as
pessoas que passavam a tê-lo como amigo. Os poucos que arriscavam. era mais por
temor, que por considerações recíprocas.
Assim, foi se formando as religiões de matrizes africanas no
território valenciano, nomes como Cinobelino Soares da Silva, Antonio
Fernandes, Chico Feitosa, Manoel da Vaca e tantos outros, se firmaram e
tornaram-se referências na prática do bem. Enquanto, João Luzia, morador na
comunidade Ovelha Morta, localizada as margens da estrada rumo para o povoado
João Pires, era visto como o catimbozeiro mais temido da região.
As as pessoas se
apavoravam quando se deparavam com ela nas ruas da cidade, ou mesmo nos
trajetos que trafegavam pela estrada do João Pires, ao passar por sua
residência, faziam o sinal da cruz, cruzavam os dedos, não olhavam para traz
com receio de serem atingidas pelas práticas do mal, evocadas por ele.
No frontal de sua casa, existiam vários bonecos de barro sob
um peitoril, isso provocava um medo terrível nas pessoas, segundo informações
de moradores próximos, Dona Benedita, esposa de Cinobelino, quando vinha para
Valença, montada em seu cavalo, trazia consigo uma cabaça com água pura da
fonte para ser despejada em frente à casa de João Luzia, com o objetivo de
quebrar as forças malignas se por acaso ele quisesse fazer o mal a ela e/ou a
seu esposo Cinobelino.
Com o surgimento dos salões de Umbanda entre as décadas de
1950-1970, o som do tambor, tornou-se uma referência na cidade, uns pelo
diferente, outros pela curiosidade, mas no Cômputo geral, chegava a atrair
pessoas para frequentar e adeptos para desenvolver suas entidades.
Nas sextas-feiras, quando o tambor rufava, logo se formavam um
grupo para ir ao terecô. Lá, uns iam para observar, outros para se escandalizar
e muitos para falar mal. Outras pessoas temiam ir porque tinham medo de receber
“entidade” e ter que desenvolver os “passes”.
Nos meados da década de 1970, na rua Cicero Portela, nas
imediações do cruzamento com a PI 120 que vai para cidade de Pimenteiras-Pi,
uma Senhora por nome Gorete, esposa de um Senhor por nome Paixão, ambos da
classe popular, tornou-se o nome mais comentado na cidade, porque recebia o
espírito de uma criança, diariamente no turno da tarde. Para lá convergia um
número bastante acentuado de pessoas para ver o ocorrido, dentre os olheiros,
muitos estudantes até mesmo do Ginásio Santo Antônio, compareciam para ver e
conversar com a divindade sobrenatural. Tudo isso ocorria num momento quando os
salões ainda não funcionavam e as mães e pais de santo, atendiam em suas
residências altas horas da noite, primeiro pela clandestinidade, segundo porque
o cliente não queria ser visto pela população.
Assim, foi sendo construindo a ideia da criação e manutenção
dos salões de umbanda em Valença do Piauí, de forma lenta, mas gradual, até encontrarem
pessoas que pudessem se firmarem como adeptos, embora de forma muito resumida,
porque se sobrecarregavam de preconceito, pela forma exótica como tudo ocorria. Atualmente
ainda é um numero muito pequeno de
seguidores ou melhor que se apresentam de forma oficial, mas a clandestinidade,
é bem aguçada. Os que assim se comportaqm, admitem que a Umbanda para eles tem
sua importância. Este número pequeno de
seguidores na ativa é ocasionado, pela escassez de informações sobre o tema,
daí, clandestinamente o número ser bem
maior e crescente, pois quando se trata
de sobrenatural as pessoas temem e acreditam no poder da transformação, na
maioria das vezes vendo a Umbanda como um mal necessário para suas vidas.
Antônio
José Mambenga
Valença do Piauí, 15 de junho 2018.