COMUNIDADE TRANQUEIRA
– HISTÓRIA E CULTURA DE UM POVO REMANESCENTE DE QUILOMBOLAS EM VALENÇA DO PIAUÍ
Prof. Esp. Antonio
Jose Mambenga
A presença da História do negro na
corrente oficial é muito recente em se tratando de tempo, tornando-se mais
elástica e bem diferente de um passado
recente que ultrapassava de poucas páginas nos livros didáticos, a nível
nacional. No Piauí, não era diferente, existia certa anorexia por parte dos
estudiosos para tratar do assunto em voga.
Este olhar europeizado convergente ao
negro perpenetrou no solo piauiense, onde eram aplicadas as mesmas torturas, olhares
diferenciados, trabalho compulsório e tantos outros tipos de sociedade
detentora do poder, também não poderia ser diferente, os que aqui estiveram
eram remanescentes dos primeiros que chegaram ao Brasil e não fugiam do adágio
popular “damos aquilo que temos”.
O Piauí teve seu povoamento através da
instalação das fazendas de gado, o negro chegou junto com os primeiros
criadores. Por volta de 1674, Domingos Afonso Sertão amplia seus domínios até
as terras que seriam mais tarde definidas como Piauí. Transfere algumas
fazendas de gado e instala o vaqueiro negro, que com essa nova atividade e
estrutura produtiva inicia outra experiência de trabalho a mão de obra negra na
montagem das fazendas de gado. (MOTT, 1998).
A presença do africano escravizado na
terra piauiense foi uma constante, foram, homens, mulheres, jovens e crianças
que aqui chegaram e logo eram encaminhados para os engenhos para aplicar a
força num labor diário.
Todo este contingente populacional
absorveu através da memória, os hábitos e costumes, lendas, crenças, mandigas e
religiosidade, bem como, as danças e culinária. Tudo ocorria tão normal que se
tornava cotidiano para os próprios escravos, mesmo aglutinados na vastidão da
terra estranha, parecia que o mundo era extenso demais e o um fim se tornava cada vez mais distante.
A migração era constante, ficando
mais definida após os meados do século XIX, quando ocorreu a migração interna.
Em cada fazenda que ia recebendo o negro e este num espaço bem minúsculo de
tempo iam se adaptando ao meio porque o destino era sempre o mesmo: senzala,
serviço pesado e um novo patrão, e os mesmos castigos.
As referências sobre o negro escravo
no Piauí, são bem mais amplas o que ocorre é ainda um número de pesquisadores
muito resumido para trabalhar a temática.
E como diz a Professora Ivete Almeida
no seu texto, Etnia, Cultura e Identidade, “nenhum grupo sofreu tão
intensamente a separação e foi tão brutalmente obrigado a reconstruir sua
leitura sobre si própria e sobre seu lugar no mundo como os povos negros”.
A comunidade
Tranqueira, está localizada a 18km de Valença. È formada por 34 famílias, com
uma população de 58 habitantes. As principais manifestações culturais são: as
festas de reisado e São Gonçalo e a dança típica conhecida como Manuê.
Os habitantes da comunidade Tranqueira, são conhecedores da
importância das ervas medicinais e suas utilidades na medicina caseira, como as
famosa garrafadas. Trabalham a palha de carnaúba no artesanato confeccionando:
vassouras, chapéus e esteiras, bem como abanos e outras atividades pertinentes.
Com a palha de buriti, utilizam a fibra
no artesanato. Com a polpa do buriti confeccionam doces ou mesmo a jacuba o
suco como é mais chamado.
A buritanga do buriti, é utilizada pelas crianças como peteca
para o jogo dos 3 buracos.
A tabatinga, serve para pintar as paredes e para ser
utilizada no forno da farinhada como neutralizadora da argila.
A agricultura praticada na comunidade é de subsistência,
destacando o cultivo do milho, feijão , arroz,
e mandioca.
Da mandioca, anualmente realizam a farinhada, mas na
entre-safra eles utilizam o tapiti para
enxugar a massa para confeccionarem o beiju, que pode ser utilizado no desjejum
(café da manhã) ou mesmo para mistura com feijão, o chamado beiju de massa. Com
a mandioca, a comunidade também faz a puba, que serve para fazer mingau e o
bolo .
Na comunidade, ainda existe parteira empírica, como também as
conhecidas resadeiras em doença de crianças, como o quebranto, mau olhado e
vento caído. Os adultos procuram as resadeiras para os males de espinhela
caída, sol na cabeça e dor dente.
Quanto a alimentação, tem como básica, no feijão, arroz,
milho e farinha, produzido na própria comunidade. Quanto á carne, se alimentam
com carne de criação nome que serve para designar os caprino e ovino. A galinha
caipira, que fazem ao molho pardo e normal. A carne bovina, também é bastante
usada, embora o rebanho seja pequeno, mas eles complementam com as provenientes
da cidade.
Os hábitos e costumes do povo da Tranqueira foram se
transformando com o tempo mas ainda mantém muitos advindos dos ancestrais.
No mês de junho a comunidade festeja São João. Como não tem
capela, o festejo é realizado na residência do patriarca da família, Sr.
Feliciano. È costume na última noite servir um farto jantar para família e
convidados, momento que ocorre o toque da Bandeira para saber quem é o festeiro
do próximo ano. Todos ficam perfilados na frente da casa, onde queima uma fogueira.
0 patriarca da família, corre a bandeira
sobre as pessoas, aquele que a ponta da bandeira tocar, foi o escolhido para
ser o festeiro do ano seguinte. No momento todos se cumprimentam, soltam
foguetes e se confraternizam. Logo após ocorrem o compadrio e os demais laços
de amizades. Os mais afoitos saltam a fogueira, outros caminham sobre brasas.
Neste momento a criançada faz a festa, assam batatas na fogueira, abóbora e carne.
É um hábito do povo da
Tranqueira, os famosos bolos de goma com ovos de galinha caipira, assados no forno de brasa. As boleiras capricham, são
eles bolo branco, bolo torrado, manuê e bolo doce.
No meio de tudo isso, na comunidade ainda existe aqueles que castram os frangos – suínos e
caprinos. Mas precisamos entender que cada povo tem suas particularidades de
ser e agir, daí ninguém ser obrigado se aculturar para satisfazer algo fora do
seu próprio conhecimento. As diferenças existem e precisam ser respeitadas,
porque cada caso é um caso diferente do outro. A Comunidade Tranqueira, já é
reconhecida pela Fundação Zumbi dos Palmares como Remanescentes de Quilombolas,
pela História e luta de vida para manterem seus hábitos e costumes dentro dos
padrões de uma sociedade hodierna e preconceituosa.
Valença do Piauí, 23 de outubro de 2014
Prof. Antonio Jose Mambenga